Ministro da Educação, o pequeno deus vingador
/Hoje vou escrever sobre o actual Ministro da Educação da República Portuguesa. Parece forçado expor um Ministro, ainda que da Educação (mas não muito), na Enfermaria 6. Habituamo-nos a outras personagens, mais vertiginosas e inspiradoras, mas enfim, para o bem e para o mal, ele comanda o sistema ministerial (mamuteano, sem qualquer desprimor pelo magnífico animal que desapareceu da vida, pesado, burocrático e confuso) responsável por formar a futura legião de leitores. E é de leitores que mais precisamos.
Acontece que numa entrevista à Revista Visão o senhor Ministro, além de propagandear velhos chavões, como o direito dos alunos à brincadeira (algo que já entrou alegremente na própria sala de aula), ou os previsíveis 100 000 computadores para alunos e professores “ainda durante o primeiro período” (esperar para ver), disse que uma Diretora de Agrupamento de Escolas tinha sido negligente na contratação de professores. Sem entrar nos pormenores da acusação (ao nível do estilo de quem nunca “quer perder uma discussão”, como referia um companheiro do Ministro acerca do seu desempenho nas noitadas dialécticas de Coimbra), quem está mais ou menos ligado à educação não superior em Portugal sabe que em certas zonas do país, sobretudo Lisboa, não há candidatos suficientes para as vagas.
Numa metáfora que deve ter recuperado dos seus combates semióticos, o Ministro lá reconheceu que em relação à contratação de professores a “mão e a luva não encaixavam perfeitamente”, mas, em bom jogador dialético, só o fez depois de pôr na Diretora a marca, creio que indelével, de “negligente”. E pronto, temos, com certeza, um Ministro contente por ter vencido mais um combate hermenêutico, ainda que não tenha acontecido porque interpretou melhor a realidade, mas porque esmagou um adversário que ele próprio, dentro do ilogismo político, criou.
O que acabo de dizer serve, adequando-me agora ao nosso contexto mais literário, outro propósito: testar o carácter trágico do Ministro Tiago Brandão Rodrigues. Sabemos que Édipo queria saber tudo a todo o custo, para com isso dominar os outros e o mundo, como dominava Tebas (um déspota esclarecido, no fundo). Mas claro, o mundo também era dos deuses, e eles tencionavam manter o seu predomínio epistemológico e dramatúrgico. Daí que a insolência humana, na verdade bastante manipulada por eles (foliões, ao contrário dos cristãos), fosse castigada sem restrições de crueldade. Ora, Tiago Brandão da Luz não quer saber tudo (estamos na era da pós-verdade), mas quer mostrar que sabe tudo, podendo assim, nos mecanismos que tecem a arena política e ditam a sobrevivência dos protagonistas, sacudir qualquer responsabilidade pessoal, atirando-a, de forma dispersa para não ter uma reação de grupo, contra atores hierarquicamente secundários (mas vitais) com pouca capacidade e tempo de reação.
E pronto, num mero exercício comparativista, Tiago Brandão Rodrigues é mais um pequeno deus quezilento e autocrático de que um Édipo, ainda que de aldeia. Sacríficou, sem pudor, a Diretora por uma ineficiência que é sobretudo da sua responsabilidade. É que, caramba, ele é Ministro da Educação há mais de uma legislatura e nada fez para resolver o problema, estrutural, da falta de professores. Esta inação, aliás, vai agravar muito a presente situação (radicalizar o “[des]encaixe de mão e luva”): prevêem-se, sem a ajuda de bolas de cristal, que o número de professores a reformar-se continue a superar o de novos candidatos. E este dado é conhecido, sem recurso a oráculos, há muito, o senhor Ministro conhece-o há muito, e nada fez (seria um Édipo que sabia ter morto o pai e ficasse caladinho). Veremos como os deuses superiores da República Portuguesa (votantes) reagem, é que o senhor Ministro precisa de uma hemorragia narcísica (aproximando-se aqui de Édipo).