Dois poemas de Luís Amorim de Sousa

de um despertar solitário

a pouco e pouco me vou recuperando

de um já remoto não sei bem o quê
sobeja-me esta incómoda agonia
esta vontade muito renitente
esta pequena angústia hermafrodita
de despertar sem ti para outro ciclo
toda uma direcção inconsequente 

                                             gestos e coisas nesta claridade
                                            ganham coordenação e humildade 

ergo-me a medo como quem se inventa

o dia longo   fértil    agressivo
é todo o espaço de um sorriso alvar
a sublimar o vómito eminente 

devagar
chego-me ao espelho distraídamente
penso nos versos que ainda não escrevi
e no jeito imprudente de me olhar
algo de vergonhoso me diz que te perdi 

Nada, Kentucky

no estado americano de Kentucky
há um sítio chamado Nada 

nunca fui    nunca lá estive

nunca cheguei a saber
nada de Nada