SAGA – Haikus Islandeses

IMG_2554.JPG

Em direção ao céu

os degraus

imitando um vulcão.

 

Contra o horizonte branco

dançam timidamente

as flores coloridas.

 

Envolvendo dentes-de-leão

uma renda –

longe a minha mãe.

 

Nesses mesmos seios

a saliva

de outro.

 

Sobre as ondas solidificadas

cresce o musgo –

dragões adormecidos.

 

“Não passarás”

disse o mar –

tornou-se ilha.

 

Agulhas caindo

numa lata de bolachas

vazia.

 

Alma lavada

com as entranhas

da terra.

 

Gotas caindo

na lagoa quente –

música de felicidade.

 

De barriga vazia

cheio de cansaço

e felicidade.

 

Mergulhando sob o azul

alguém toca piano

no meu esqueleto.

 

O musgo

cobre de suavidade

a violência arrefecida.

 

Ouço a guitarra

de Mike Oldfield –

chuva na Islândia.

 

Como estrelas cadentes

as gotas de chuva

percorrendo a janela.

 

Com os anos

tornei-me capaz

de ver apenas.

 

No azul quente

dos teus olhos

aqueço a alma.

 

No pêlo molhado

da égua

a marca da sela.

 

O poeta era leve

Saga

nem se cansou.

 

No pêlo do cavalo

Cai a chuva miúda –

verão islandês.

 

O que deus

deixou por acabar

o mais belo.

 

Nas arestas verdes

pastam

as ovelhas.

 

Caindo do infinito

mergulha a água

na terra.

 

Ainda não tiveram

tempo os riachos

de esculpir a terra.

 

Sobre verdes campos

os fardos

já esperam o Inverno.

 

Alguém regressa a casa

chove

amanhã amanhecerá.

 

É a chuva que cai

ou é apenas o mundo

a ser?

 

Pés molhados

copo de Brennivín

espera.

 

Depois de tantos anos

que pressa levam

as águas dos glaciares?

 

Contra os vidros

a chuva

acaricia-me o cansaço.

 

Ante que o verde branco

as ovelhas continuam

a pastar.

 

Não ouvir nada

além do vento –

que sorte a minha!

 

Em frente à cascata

três cavalos

contemplam a erva.

 

Do alto da montanha

vejo o mar

fecho os olhos vejo tudo.

 

Em cima da fraga

escutar atentamente

o silêncio.

 

Atirar calhaus

monte abaixo

e ver onde param.

 

Que fúrias divinas

terão esculpido

tais montanhas?

 

A pequena igreja

sobre a obra

de deuses antigos.

 

O templo maior é aquele

onde a chuva cai

livremente.

 

Depois de uma longa caminhada

os três cavalos

continuam no mesmo lugar.

 

Gotas de água

numa teia

esperam o Sol.

 

Abri o frasco

de tubarão fermentado

logo me arrependi.

 

Lá fora o vento

canta algo

que só compreendo dentro.

 

As luzes dos carros

passam

levando as vidas.

 

Inspirar fundo

o azul primitivo

da noite nórdica.

 

As nuvens afastam-se

e o verde

ilumina-se.

 

Milhares de anos

azul cortando

o verde.

 

Quase chegaram

a terra

os trolls de Reynisfjara.

 

Depois de tecer

a teia

a aranha espera.

 

A traça não compreende

a natureza

do vidro.

 

Vinho italiano

trutas islandesas

saudade portuguesa.

 

Até no paraíso o português

terá saudades

do seu buraco.

 

Nos montes o verde

escurece

na garrafa aclara.

 

Que pedem as vacas

que mugem

na escuridão?

 

À entrada da porta

o gato cinzento

despede-se dos viajantes.

 

O açúcar na chávena

arrefece –

chove no porto.

 

Más notícias

vêm de longe –

chove no porto.

 

Inalo o fumo

A chuva cai

Os carros passam.

 

Escrevo

porque os mortos

me visitam.

 

Islândia, Agosto de 2020