SAGA – Haikus Islandeses
/Em direção ao céu
os degraus
imitando um vulcão.
Contra o horizonte branco
dançam timidamente
as flores coloridas.
Envolvendo dentes-de-leão
uma renda –
longe a minha mãe.
Nesses mesmos seios
a saliva
de outro.
Sobre as ondas solidificadas
cresce o musgo –
dragões adormecidos.
“Não passarás”
disse o mar –
tornou-se ilha.
Agulhas caindo
numa lata de bolachas
vazia.
Alma lavada
com as entranhas
da terra.
Gotas caindo
na lagoa quente –
música de felicidade.
De barriga vazia
cheio de cansaço
e felicidade.
Mergulhando sob o azul
alguém toca piano
no meu esqueleto.
O musgo
cobre de suavidade
a violência arrefecida.
Ouço a guitarra
de Mike Oldfield –
chuva na Islândia.
Como estrelas cadentes
as gotas de chuva
percorrendo a janela.
Com os anos
tornei-me capaz
de ver apenas.
No azul quente
dos teus olhos
aqueço a alma.
No pêlo molhado
da égua
a marca da sela.
O poeta era leve
Saga
nem se cansou.
No pêlo do cavalo
Cai a chuva miúda –
verão islandês.
O que deus
deixou por acabar
o mais belo.
Nas arestas verdes
pastam
as ovelhas.
Caindo do infinito
mergulha a água
na terra.
Ainda não tiveram
tempo os riachos
de esculpir a terra.
Sobre verdes campos
os fardos
já esperam o Inverno.
Alguém regressa a casa
chove
amanhã amanhecerá.
É a chuva que cai
ou é apenas o mundo
a ser?
Pés molhados
copo de Brennivín
espera.
Depois de tantos anos
que pressa levam
as águas dos glaciares?
Contra os vidros
a chuva
acaricia-me o cansaço.
Ante que o verde branco
as ovelhas continuam
a pastar.
Não ouvir nada
além do vento –
que sorte a minha!
Em frente à cascata
três cavalos
contemplam a erva.
Do alto da montanha
vejo o mar
fecho os olhos vejo tudo.
Em cima da fraga
escutar atentamente
o silêncio.
Atirar calhaus
monte abaixo
e ver onde param.
Que fúrias divinas
terão esculpido
tais montanhas?
A pequena igreja
sobre a obra
de deuses antigos.
O templo maior é aquele
onde a chuva cai
livremente.
Depois de uma longa caminhada
os três cavalos
continuam no mesmo lugar.
Gotas de água
numa teia
esperam o Sol.
Abri o frasco
de tubarão fermentado
logo me arrependi.
Lá fora o vento
canta algo
que só compreendo dentro.
As luzes dos carros
passam
levando as vidas.
Inspirar fundo
o azul primitivo
da noite nórdica.
As nuvens afastam-se
e o verde
ilumina-se.
Milhares de anos
azul cortando
o verde.
Quase chegaram
a terra
os trolls de Reynisfjara.
Depois de tecer
a teia
a aranha espera.
A traça não compreende
a natureza
do vidro.
Vinho italiano
trutas islandesas
saudade portuguesa.
Até no paraíso o português
terá saudades
do seu buraco.
Nos montes o verde
escurece
na garrafa aclara.
Que pedem as vacas
que mugem
na escuridão?
À entrada da porta
o gato cinzento
despede-se dos viajantes.
O açúcar na chávena
arrefece –
chove no porto.
Más notícias
vêm de longe –
chove no porto.
Inalo o fumo
A chuva cai
Os carros passam.
Escrevo
porque os mortos
me visitam.
Islândia, Agosto de 2020