Homem Sério

Era um homem tão sério que, depois de várias tentativas, lá conseguiu petrificar-se. Terminou, assim, a embaraçosa, e degradante, vontade de, muito de vez em quando, se rir. Não de si, isso nunca lhe aconteceu, meu Deus, mas do que havia de cómico nos outros ou nas cada vez mais frequentes situações caricatas. Antes de se transformar em pedra, o homem sério leu o Nome da Rosa, no qual Umberto Eco reescreveu, e corrompeu, a bela história da dramaturgia antiga ao elevar a comédia a uma dignidade estética e filosófica que a rigorosa censura monástica lhe teria recusado. Obra engraçada e oportunista (produto para um tempo hedonista), pensou o homem sério.

O homem sério a que me refiro não é o homem sério, e muito menos, mutatis mutandis, a mulher séria da nossa cultura popular. Estes são-no pela confiança e fidelidade que demonstram, o masculino na economia do capital, o feminino na do eros. O outro homem sério pode ser pensado a partir de modelos como os de Hitler, Estaline, Franco, Fidel Castro ou Mao Tsé-Tung. Conseguem imaginar as gargalhadas de Hitler? Estaline em autoirrisão? Fidel a contar anedotas sobre a civilização comunista?  Mao a rir com Dr. Strangelove? Franco a sorrir, ainda que ligeiramente, enquanto lia o Dom Quixote? Difícil, não é? O homem que é sério a sério julga, numa intuição que raramente questiona, que foi enviado pela Transcendência para endireitar a humanidade. Impor a verticalidade dos costumes e dos atos, acabar com as curvas da facécia, a impostura da complexidade, o terrorismo do relativismo, a fraqueza da hesitação. Impor a sobriedade social, a verdade revelada, os desejos domesticados, a frugalidade monástica, o castigo categórico dos crimes de lesa seriedade, o rigor de espírito (fundado na pobreza), um vasto e definitivo quadro monocromático que nenhum museu de arte contemporânea, apesar da sua natural tolerância à parvoíce, quererá no seu depósito.

No mundo da filosofia, Hegel, Kierkegaard ou Nietzsche viram bem o peso mentiroso do espírito da seriedade. Sartre, Ionesco ou Beckett escreveram e encenaram peças memoráveis sobre a tirania do sério. Musil, Orwell ou Gunter Grass mostraram a mediocridade da ação e o medo incrível da liberdade dos homens sérios. De uma ou de outra forma, estes pensadores críticos (autocríticos, antes de mais) denunciaram o perigo do homem sério, que, se não sucumbir a niilismo que o leve a transformar-se numa rocha, quer sempre tornar-se tirano. Porque julga que através dele, como muito bem viu Simone de Beauvoir (Pour une morale de l’ambiguïté), se «afirma o valor incondicionado do objeto». Isto é, de qualquer coisa exterior ao sujeito, tangível ou intangível, mas sempre visto como universal, sem qualquer antinomia.

Genial simplicidade, a do homem sério. E perante a desilusão tem a fórmula mágica de se transformar num niilista, que é o outro lado do fanatismo. Foi nisto que desembocou o nosso homem-sério-rocha.