Dois poemas traduzidos: Mark Strand e Garcia Lorca
/Tradução de Tatiana Faia
Não sei ao certo onde Mark Strand se terá sentado para escrever o primeiro dos poemas que traduzo aqui, “Keeping Things Whole,” mas foi um poeta e tradutor galego, Jesús Castro Yáñez, quem por sinal me o mencionou. É um poema que ensaia uma justificação da necessidade de movimento, mas também ele se move, chega à revelação que encerra. O outro poema que aqui traduzo é um dos Seis Poemas Galegos de García Lorca e há outro elo galego. Sabemos onde García Lorca estava sentado quando o escreveu, ou talvez o reescreveu, não é claro, a pedido de dois editores galegos: no café Moderno em Pontevedra, em 1932. Talvez Lorca esteja a falar aqui sobre a natureza de normas opressivas, mas de certeza que entre ter sido e haver de ser há qualquer coisa que é desarrumada pela liberdade de movimento que aí fica implícita, pelas imagens inusitadas e pouco conformes a qualquer cânone de representação realista. Achei então que fazia sentido ler estes dois poemas juntos.
Manter as coisas inteiras
Num campo
sou a ausência
de campo.
É sempre
assim.
Onde quer que esteja
sou o que está em falta.
Quando caminho
separo o ar
e o ar move-se
sempre
para preencher os espaços
onde o meu corpo esteve.
Todos temos razões
para nos movermos.
Eu movo-me
para manter as coisas inteiras.
Mark Strand, “Keeping Things Whole",” Selected Poems, 1979. Publicado aqui.
Eu sei que o meu perfil será tranquilo
Eu sei que o meu perfil será tranquilo
no musgo de um norte sem reflexo.
Mercúrio de vigília, casto espelho
onde se quebra o pulso do meu estilo
Que se a hera e a frescura do fio
foi a norma do corpo que deixo,
o meu perfil na areia será um velho
silêncio sem rubor de crocodilo
E ainda que nunca assuma sabor de chama
a minha língua de pombas enregeladas
mas antes o deserto gosto das giestas,
livre signo de normas oprimidas
serei, no pescoço da hirta rama
e num sem fim de doloridas dálias.
Frederico García Lorca, in Seis Poemas Galegos (1935).