Batido pelo Sorriso do Passado
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O passado olhou para mim e sorriu, não me reconheceu,
Durante aqueles segundos deixei de saber como andar,
Como se tivesse sido atingido na cara por uma fralda
Embebida em éter, fingi então receber uma mensagem,
Enfiei a mão ao bolso e lá consegui reencontrar o ritmo
E acelerar o passo em direção a mais um cabelo branco,
Lembro bem aquela noite no barco, aquele cheiro a madeira
Apodrecida pelo álcool, podia hoje a vida ser outra,
Eu outro, o amor de outra loira, podia nunca ter dado
O meu coração a comer a hienas obesas, perder tempo,
Podia, ela tímida, pediu à amiga que viesse falar comigo,
Eu quase jovem, nunca o fui, agora morro há quase dois anos,
Apelido famoso nos canais de desporto, eu que na altura
Só via beats, tanto amor à morte, a madeira do barco,
O mesmo barco, anos mais tarde, a trazer-me aqui,
O mesmo cheiro no quarto quando sinto o meu hálito,
Hoje o passado olhou para mim e não me reconheceu,
Quem seria aquele velho, ela casada com um americano,
Também envelhecerá, a amiga com o filho de um marroquino
Que afinal era um príncipe das arabias com temperamento,
Enquanto caminho até casa, depois de reaprender a andar,
Com uma Le Ragnaie na mochila de outra vida, penso,
Que apesar do vazio é melhor estar aqui, chateado com
O céu nublado, confiante que cada vez terei menos certezas
E que existe uma certa liberdade em estar batido, não passar do chão,
Ter o passado a olhar para mim sem me reconhecer.
26.07.2022
Turku