Notas para compor um espaço

 

A mulheres que chegam à Casa do Lago

com seus automóveis e seus filhos

de um ano ou três ou quatro

                                               observam-me sonolentas

 

Elas são loiras e gostam de passear pelas galerias

onde apodrecem quadros feitos por rapazes decentes

 

Elas olham-me enquanto seus filhos decidem

se mijam nas calças ou não

 

Elas transmitem-me com os seus movimentos

a certeza de uma pequeno burguesia em ascensão:

                pernas que os tecnocratas usaram

                músculos que os tecnocratas usaram, mamilos

que os tecnocratas usaram

 

Nelas vejo as raparigas

que não há mais de um ou três anos

pensaram na vida como algo diferente

desta maçã de plástico facilmente previsível

 

Nelas ainda posso ver as raparigas

no primeiro semestre de Filosofia

aparecendo intempestivamente no teu quarto de então

                               e gritando amo-te amo-te

ou levando-te pelo pénis

em plena rua

perante o horror das mães

dos seus futuros maridos

                e lendo poemas delas mesmas

onde diziam não me venderei

meu amor não precisa de guarda-chuva

onde se mostravam ao mundo de uma maneira limpa

                meu amor é a chuva

 

Elas erguem os seus bebés e parece que os oferecem a ti

 

Elas pintam os lábios olhando-se

nos espelhos dos seus carros

mas na verdade vêm-te a ti que te afastas

 

Que te afastas

mais aborrecido que enojado

pensando nas raparigas que não há mais de um ou três

                anos

(ou duas semanas?)

navegaram pela 1ª vez numa cama contigo

descobrindo que um orgasmo é algo definitivamente Belo

e Explosivo

e sendo feridas por essa explosão

                               e por essa beleza

Elas metem as suas coisas no carro

sacos, programas, cartazes, crianças, estranheza

e vão buscar o marido ao escritório

 

E aceleram, aceleram, aceleram

mas a Terra move-se muito mais rápido do que elas

 

Roberto Bolaño

3 poemas de Roberto Bolaño

Agora passeias solitário pelas docas
de Barcelona.
Fumas um cigarro preto e por
um momento crês que seria bom
que chovesse.
Dinheiro não te concedem os deuses
mas caprichos estranhos sim.
Olha para cima:
está a chover.

 

 

 

Teu distante coração

Não me sinto seguro
Em nenhuma parte.
A aventura não termina.
Os teus olhos brilham em todos os cantos.
Não me sinto seguro
Nas palavras
Nem no dinheiro
Nem nos espelhos.
A aventura jamais termina
E os teus olhos procuram-me. 

Ninguém te envia cartas agora    Debaixo do farol
ao entardecer   Os lábios rachados pelo vento
Para Leste fazem a revolução    Um gato
Dorme entre os teus braços
Às vezes és imensamente feliz

 

Roberto Bolaño