Julgar
/Tradução: Tatiana Faia em colaboração com o autor.
Não haverá mais nada.
Amei as tuas tensões musculares
desnecessárias e negligentes
algodão geneticamente modificado
arroz geneticamente modificado
Sei que os meus amigos têm de ficar onde estão e com quem vivem.
Há imagens que estão a comer.
Isto está a ser representado.
Onde os meus pais moram há uma economia recreativa que está a nascer.
É nisto que penso e vejo Blondie a subir para a bicicleta.
Como posso entortar mais o que já está completamente fodido?
Caminhamos por uma rua em roterdão. A igreja chinesa, uma loja de pianos
onde também se vende partituras, um cocktail bar abandonado,
um cocktail bar com uma rapariga lá dentro. A rapariga diz qualquer coisa a alguém
que não consigo ver. É demasiado cedo ou demasiado tarde para beber? Chavalo,
não estou para te aturar, ó que caralho!, grita uma mulher.
Há imagens que estão a comer. Isto está a ser representado.
Um close-up de Fernando Pinto do Amaral[1] no seu escritório. Também tenho os meus acanhamentos, diz ele.
Neste preciso momento uma puta é abatida a tiro.
Aí tens: um cliché pálido jaz num caixão, triste e bonito. Igreja chinesa,
pianos partituras, um cocktail bar vazio. Acreditar para compreender.
Às vezes queria um conselho honesto dado por alguém morto há longo tempo.
Não haver indústria para te explorar. Já começou a chover?
Conheço o futuro não. Conheço o passado não. Conheço o presente, não, não digas isso.
Conheço o presente sobretudo na qualidade de turista. É verdade que é fotogénico,
mesmo quando trágico.
O presente podia resultar num álbum trendy, sofisticado, ligeiramente inquietante.
Ser o primeiro.
Ser o último.
Ficar algures no meio.
Fato de banho em estilo Biedermeier, imperturbável. Furar furo
após furo, até aquilo que se esconde começar
a alastrar.
A sua língua roxa enrola-se em redor da minha orelha. É aí que chilreia Interpretação, esse passarinho.
Entretanto não faço nada. Os meus actos são menos que estéticos
ou sádicos. O esteta e o sadista são iguais. Ambos estudaram numa escola de jesuítas.
Ambos desprezam tudo o que vive. Antes preferir nada sobre nada, sem nunca parar.
[Preferir não.
Tão alto que se ouve ‘sim’, ainda mais alto, tão alto que ouves “não” outra vez.
O ocaso da gordurosa Europa pôs-me em movimento. Não me deixes a viver onde vivo.
Exila-me. Acordar fora do meu habitat!
Pela primeira vez ver esse habitat exactamente como ele é.
Ver o meu habitat como ele é do lado de fora. Ser capaz de separar o exterior do interior.
Julgar. Era um habitat para o inverno, era grande?
[1]Kees T’Hart no original.