Os nomes da Rosa

“A forma é o traço do informe”

                   Plotino

 

I – MARIA

 

Corpo de mulher rico

em beleza e doçura

Antigo nome de mãe

luz que anuncia em

calmas e singelas tertúlias

a atenção e o perdão

 

 

II – MARTELO

 

Acolher, digerir as palavras

do jovem bardo, distribuí-las em

seguida, exige a mesma força

para manobrar o martelo

primordial, a bigorna e o fogo.

 

Martelo sem e com mestre:

O mestre usa máscara, tem máscara, é máscara.

Os martelos velozes, as grandes flores

dispersas sob as longas barbas dos metrosíderos:

 

Rosas, sombras de rosas

num longo e doce lago de verão onde a doçura

jaz eternamente estendida.

 

 

III – INVISÍVEL COGNOME

 

Os bons professores são sempre

uma mistura de doçura e força

lançam faíscas ardentes em

vastas planícies secas:

 

renascentes películas Malickianas.

 

 

                                                      (28.11.2016)


Nota: Este poema, de 2016, encontra-se em “Dentes Tortos” (2017)

Rachel Ruysch - flowers in a glass vase, with a cricket in a Niche. 1700.jpg

Rachel Ruysch - “Flores num vaso de vidro, num nicho e com um grilo”, 1700.


Retrato Inacabado

Aquele que trazia o arco
a flor e um verso incendiado
erguia  o rosto contra  a sombra
o vento as vozes no abismo

Aquele que ganhou a seta
sobre   ruínas e  despojos
soube dos homens e da caça
o jeito de se tornar cruel

Aquele que tangia a corda
vibrátil,  junto ao coração,
mal pôde ouvir  o acorde cavo
levar-lhe as  pernas e  o sexo

Aquele que tombou na  margem
do rio antes profundo azul,
tão moço o dia  no seu halo
já baço o rosto devastado

Aquele que tingiu de rubro
a terra mal desperta ainda, 
a boca rente ao chão, o lodo
na sua carne quase morta

Subsídios para a criação de uma polícia poética

para o Ricardo Marques

 

é altura de admitir
que os esforços
de um ou dois críticos
apesar de heróicos
não são suficientes
e que hoje
mais do que nunca
é necessário
que o estado
tome medidas firmes
sobre o oeste selvagem
que se tornou
a poesia em Portugal

uma entidade isenta
que certifique
a verdadeira poesia
legisle
sobre a temática
regule a forma
promova
a criação de léxicos
de termos poéticos
e anti-poéticos
nomeie comissões
de eventos
defina critérios de avaliação
sem esquecer
os anos de serviço
seja firme
na defesa do interesse público
contra os lobbies
do verso branco
e decida por fim
a penosa questão da rima

e sobretudo
que proteja
os cidadãos cumpridores
da poesia iníqua
o artifício
desprovido de sentido
aplique coimas
aos que escrevem poemas
sobre escrever poemas

Fukao Sumako, “A Casa Iluminada”

Hiroshige, Evening view of a temple in the hills

Hiroshige, Evening view of a temple in the hills

Tradução: Bruno M. Silva

É uma casa iluminada;
nenhum quarto é sombrio.

É uma casa que se ergue alta
sobre os penhascos, aberta
como uma torre de vigia.

Quando a noite chega
eu ponho uma luz dentro,
uma luz maior do que o sol e a lua.

Pensa
em como o meu coração se sobressalta
quando os meus dedos trémulos
acendem um fósforo na noite.

Eu levanto os seios
e inspiro e expiro o som do amor
como a filha apaixonada de um faroleiro.

É uma casa iluminada.
Criarei nela
um mundo que nenhum homem conseguirá construir.

*

Bright House

It is a bright house;
not a single room is dim.

It is a house which rises high
on the cliffs, open
as a lookout tower.

When the night comes
I put a light in it,
a light larger than the sun and the moon.

Think
how my heart leaps
when my trembling fingers
strike a match in the evening.

I lift my breasts
and inhale and exhale the sound of love
like the passionate daughter of a lighthouse keeper.

It is a bright house.
I will create in it
a world no man can ever build.

(Women Poets of Japan, tradução Kenneth Rexroth e Ikuko Atsumi, New Directions Books)

CONDECONDERAÇÕES POST MORTEM

Quando eu morrer voltarei para ir buscar

as jóias e toda a tralha com a marca Sophia:

o saquinho de pano, o marcador de livro,

o cartaz, o panfleto, o livro de bolso, o

livro de tijolo, o colar, o chapéu de palha

e o lenço bordado com musa musa musa.

 

Esta é a madrugada que eu esperava,

o pó e a azia estão, finalmente, na rua e a

multidão, sonâmbula, passa e só pia, só pia.

 

Quero-me longe dessa quimera, pois

tudo é, agora, impuro, profano e sujo.


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Giovanni Bellini - “O êxtase de S. Francisco”, c. 1480 (pormenor)