Vivemos com o «stress da nossa imperfeição», diz Peter Sloterdijk numa entrevista recente ao El Pais, no âmbito da tradução para castelhano do seu último livro: Wer noch Grau gedacht hat: Eine Farbelehre (Quem Ainda Não Pensou no Cinzento: uma Teoria da Cor). Acrescenta: «O horizonte é sombrio, o sentimento de que o nosso mundo está condenado é omnipresente». Em vez de desejarmos o futuro, afastamo-nos dele refugiando-nos em «atitudes frívolas».
Parece fácil aceitar esta visão, que no caso do filósofo alemão é a de um niilismo feliz, ou, como ele por vezes diz, de uma poesia da resignação. Tudo leva a crer que o futuro já não tem luz suficiente para aquecer o presente, faz todo o sentido, pois, repetirmos Karl Valentin e o seu «Dantes, o futuro era melhor».
Felizmente a psicopolítica e a psicogestão não param de nos surpreender. Muitas vezes sem querer, acredito que são legião os enganadores enganados que se candidatam a empregos de controlo (de qualidade e de fala de qualidade). É assim que vemos emergir máximas de incitamento à crença alegre do tipo «Inválidos do Comércio», «Heróis do Sucesso» ou «Impulso Fundamental», em, respetivamente, associações corporativas, transportadoras e empresas de construção civil. Os mais epicuristas verão nestes batismos a vontade, talvez ingénua, de lutar contra o cinzento de hoje. Os mais estoicos, incapazes de se iludirem mas acreditando secretamente na vida eterna, confirmarão a suspeita de que fazia mais sentido esperar por Godot. Os otimistas, elogiarão as capacidades dadaístas do humano, continuando a remeter sub-repticiamente para Deus a responsabilidade de resolver os problemas do fim do mundo (fim deste ou daquele mundo).
Para Deus ou para uma Igreja secular que se dedicou a fazer política e tem a convicção, sem porquês muito pormenorizados, de que se governar um país bailaremos e cantaremos até de madrugada, haverá um novo Cântico dos Cânticos, uma religião do amor, não já ditada pelo distante, incomensurável divino, mas pelo homem, pelo homem e para o homem. Seremos, finalmente, bem-sucedidos contra os factos do mundo. Cessará o niilismo, essa obsessão de viver e propagar desvalorizações, da vida inclusive. Sem almas doentes (depois da ação da nova política curativa), o mundo real e o seu potencial de alegria poderão propagar-se e perpetuar-se.
Onde poderemos vislumbrar essa potência psicopolítica da suprema motivação (motivos intensos e justos)? Claro, há muito charlatanismo, já que aumenta diariamente o número dos que querem ser enganados, é essa a economia pujante e basilar das fake news (nunca se tratou verdadeiramente da verdade e da mentira, mas de querermos ou não ser enganados por coisas que parecem aumentar a nossa autoestima), mas há também o trabalho, honesto e ousado, de encontrar uma expressão-dinamite que nos ponha todos a correr para o mesmo lado. Encontrei ontem a minha: «salvar o futuro». Assim mesmo, um partido político português propõe-se, nem mais nem menos, salvar o futuro. Isto é, preservar uma coisa que não existe (a ontologia do futuro só pode ser negativa, mesmo acreditando com toda a força possível na causalidade), mas com a qual as pessoas ainda sonham. Como escreve Silvina Rodrigues Lopes, no magnífico O Nascer do Mundo nas suas Passagens, no futuro dirigimo-nos para o desconhecido, temos a «expectativa de haver futuro».
Será uma espécie de Ética de Responsabilidade à la Hans Jonas? Sim e não. Sim, porque queremos que a vida continue, e nessa continuação seja mais fácil e autêntico viver. Não, porque parece que o futuro se extinguirá se esse partido político não o salvar (Hans Jonas nunca foi tão catastrofista nem megalómano).
Para lá da óbvia contradição (não se pode salvar o porvir, embora o presente condicione as condições de adversidade com que continuaremos a viver), haverá sempre futuro, poderá é ser um futuro de merda (para uma ecologia-geral, esqueçamos os humanismos especistas). Retenho também que estamos perante a evidência de que se trata de um caso de suprema presunção, forjado nos gabinetes de especialistas em comunicação (todos os grupos políticos têm, e valorizam desmedidamente, estes funcionários do slogan): só aquele partido pode salvar o futuro, qualquer outro que ganhe mostrará a impotência profetizada em negativo, mantendo-nos alienados no presente sombrio e no ressentimento do passado, onde fomos todos ou réus ou vítimas, ou colonizadores ou colonizados.
É por tudo isto que prefiro o slogan «Heróis do Sucesso», passado para a arena política podia servir um ecossistema psicopolítico mais à direita, talvez mesmo Trump o pudesse usar com proveito.