Sean O’Brien, A partir de Laforgue

tradução de Hugo Pinto Santos

em memória de Martin Bell

 

Ergui uma barricada contra a grandiosidade.
Toda a noite, rompendo o nascer do dia e o meio da manhã
Que morre, a chuva tamborila num balde do pátio.
O meteorologista diz que vem aí o Inverno,
Como se o tivesse inventado. Ele que se foda.

Que se fodam o sol e os aeroportos e o prazer.
No interior, o vento poda os lilases.
Sabes o que isto significa. Estava capaz de cantar.
Há marinheiros de fim-de-semana que dão as cartas e praguejam.
O Canal está encerrado. Isso é bom.

Trancados à sombra da ampla ramada do dinheiro,
Cozinham-se almoços desesperados
A tempo das fúrias da tarde e de súbitos
Divórcios entre dívida e meios de produção.
Isso também é bom. Estas províncias estão encerradas.

Quanto a mim, imagino o Norte com a sua morrinha,
Um fumo fugitivo, chaminés que explodiram: terra
De mau tempo, com longas colinas de hospitais, terra
Do regionalismo dos males de contas, terra
De uma porfia sectária nas jurisdições de Sheffield e Hartlepool.

De regresso à terra, vindo de um mundo de distracção tardo-liberal,
A uma terra de chuva e de caminhos atulhados de folhas,
A toda uma vida a trabalhar e à espera,
O bar da central de camionagem quase a fechar,
Plataformas geladas de términos regionais vazios de promessa,

Terra de docas que morreram e de casas-modelo vandalizadas.
Terra de Noite de Travessuras e de Hallowe’en, das suas historietas,
Quando os bancos de jardim (repouso empapado de velhos sacanas de
                                                                            [sobretudos a feder a cão)
Desaparecem, quando os funcionários da câmara arrastados do pub
vão dragar o lago do parque,

A ver as suas pegadas encherem-se
E a odiar as crapulosas vidas daqueles
Cuja crápula vive lá dentro. Terra,
Enquanto o domingo se estende até ao Inverno, um beijo friorento
Num portal, o programa religioso na televisão, as últimas bebidas antes de o
                                                                                                 [bar fechar. Terra.

Chuva, com a paciência de um anjo, lembra-me.
Este não é o mundo da Miss Selfridge e da Sock Shop,
De lucro descartável e licra, bisbilhotice iletrada, desenrascanço depois
Da última fase de acesso à faculdade, Gestão de Empresas em Farnham.
Este mundo não é Eastbourne. Não tem opiniões.

Neste mundo chove sempre e o Inverno
Está sempre a chegar – renascimento da tuberculose
E The Sporting Green a afundar-se no escoadouro.
Aqui está a tralha que é deixada nas falhas
Entre as casas – ambiciosos sofás pretos de pele de sapo

E minibares que perderam peças, os catálogos
Feitos em papas, os objectos que não é possível nomear
E que dantes eram qualquer coisa com maçanetas,
E agora vivem aqui, junto aos tapumes, a peixaria,
O edifício cuja função já não se sabe.

Londesborough Street com o telhado destruído –
Aquele cheiro de quando o papel de parede se vai, enquanto
Chove no patamar, em cães de loiça, em fotografias
E antiquíssimas ideias feitas de recto servilismo.
Nada está seco. A fronha da almofada tirita de frio.

E a água trepa a tijoleira da copa
E o vapor ascende da grelha. Há funerais
A barrar a rua por mais de um quilómetro,
Enquanto os coveiros lutam com bombas de água e o padre
Tenta agarrar-se ao seu sotaque.

Chuva, com a paciência de um anjo, lembra-me
Outra vez a lição de onde eu vim
Com vestíbulos gelados e almofadas de borracha,
A inspecção de lêndeas, a cinza com um cheiro a humidade no pátio
E o andar de cima que é como o serviço de pneumologia do hospital.

Ensina-me que o tempo vai sempre piorar,
Perseguido pela frota do Árctico –
Tema de conversa na loja da esquina
E que vem à ideia quando se sai para o pátio,
Com sirenes de fábricas e barcos de ligação,

Ali, como uma promessa, no instante do anoitecer
Em que a chuva se faz neve e é Inverno.


Sean O’Brien, Cousin Coat – Selected Poems, Picador, 2001

After Laforgue

(in memory of Martin Bell)

 

 

I have put a blockade on high-mindedness.
All night, through dawn and dead of mid-morning,
Rain is playing rimshots on a bucket in the yard.
The weatherman tells me that winter comes on
As if he’d invented it. Fuck him.

Fuck sunshine and airports and pleasure.
Wind is deadheading the lilacs inland.
You know what this means. I could sing.
The weekend sailors deal the cards and swear.
The Channel is closed. This is good.

In the shopping, padlocked, broad-leaved shade of money
Desperate lunches are cooking
In time for the afternoon furies and sudden
Divorces of debt from the means of production.
Good also. These counties are closed.

Myself, I imagine the north in its drizzle,
Its vanished smoke, exploded chimneys: home
In bad weather to hills of long hospitals, home
To the regional problems of number, home
To sectarian strife in the precincts of Sheffield and Hartlepool.

Home from a world of late-liberal distraction
To rain and tenfoots clogged with leaves,
To the life’s work of boredom and waiting,
The bus-station’s just-closing teabar,
The icy, unpromising platforms of regional termini,

Home to dead docks and the vandalized showhouse.
Home for Mischief Night and Hallowe’en, their little tales,
When the benches (the sodden repose of old bastards in dog-smelling overcoats)
Vanish, when council employees dragged from the pub
Will be dragging the lake in the park,

Watching their footprints fill up
And hating those whose bastard lives
Are bastard lived indoors. Home,
As Sunday extends towards winter, a shivery kiss
In a doorway, Songs of Praise, last orders. Home.

Rain, with an angel’s patience, remind me.
This is not the world of Miss Selfridge and Sock Shop,
Disposable income and lycra, illiterate hearsay
And just-scraping-in-after-Clearing to Business in Farnham.
This world is not Eastbourne. It has no opinions.

In this world it rains and the winter
Is always arriving – rebirth of TB
And The Sporting Green sunk to the drainbed.
Here is the stuff that gets left in the gaps
Between houses – ambitious settees in black frogskin

And minibars missing their castors, the catalogues
Turning to mush, the unnamable objects
That used to be something with knobs on,
And now they live here, by the siding, the fishhouse,
The building whose function is no longer known.

It is Londesborough Street with the roof gone –
That smell as the wallpaper  goes, as it rains
On the landing, on pot dogs and photos
And ancient assumptions of upright servility.
Nothing is dry. The pillow-tick shivers.

And water comes up though the scullery tiles
And as steam from the grate. There are funerals
Backed up the street for a mile
As the gravediggers wrestle with pumps and the vicar
Attempts to hang on to his accent.

Rain, with an angel’s patience, remind me
The lesson of where I came in once again
With icy vestibules and rubber pillows,
The dick-nurse, the wet-smelling ash in the yard
And the bleary top deck like a chest-ward.

Teach me the weather will always be worsening,
With the arctic fleet behind it –
The subject of talk in the shop, at the corner,
Or thought of when stepping out into the yard
To the sirens of factories and pilot-boats,

There like a promise, the minute at nightfall
When rain turns to snow and is winter.