Sean O’Brien, O Parque junto à Linha Férrea

Tradução de Hugo Pinto Santos

Onde havíamos nós de nos encontrar senão neste parque em tão mau estado
Onde as cercas estão a menos e os ramos das árvores negros?
Pastoral da indústria, nosso circuito
De relva debaixo de cinza, água há tanto tempo parada
E pores de sol sem qualquer importância que se acendem
Por cima da feira meio desmantelada. O nosso lugar
De entrementes, viadutos abandonados
E flores modernas, docas e arbustos,
Rafeiros perdidos, o cantar de aves arranhando a fuligem
Do século passado. Onde havíamos nós de estar
Senão aqui, minha rapariga industrial? Em que outro lugar
Senão nesta cidade aquém da conservação?
Ganho um anel para ti na carreira de tiro
Pela vigésima vez, mas tu escolheste
Um inverosímil peixe amarelo num saco
Que seguras de lado enquanto te beijo.
Sentados na sala de espera às escuras
Junto à lareira de ferro fundido,
Com o derradeiro calor que o tijolo permite,
Não totalmente convencidos de que não haverá mais comboios,
No fim do Verão que nunca começou
Até que o perdemos, e nem podemos crer
Que nos vamos embora. Mal dizemos uma palavra, e já partimos.
Acendes um fósforo para me mostrares o mapa de porcelana
Dos caminhos-de-ferro que seguiam diante de nós.
Carvão e política, décadas invisíveis
De chuva, amor doméstico, fábricas em decadência
Que fecharam numa guerra e depois noutra,
Esbatem-se até se tornarem aquilo que somos: dois jovens
Delicados incapazes, os nossos bilhetes comprados
Com muito tempo de avanço, não passaremos fome, nem morreremos
Excepto da escolha. Não podíamos ter escolhido
Viver este funeral, último Agosto legado
A ninguém pelos mortos, nossos fantasmas.

Sean O’Brien, The Indoor Park, Bloodaxe Books, 1983

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Sean O’Brien, A partir de Laforgue

tradução de Hugo Pinto Santos

em memória de Martin Bell

 

Ergui um barricada contra a grandiosidade.
Toda a noite, rompendo o nascer do dia e o meio da manhã
Que morre, a chuva tamborila num balde do pátio.
O meteorologista diz que vem aí o Inverno,
Como se o tivesse inventado. Ele que se foda.

Que se fodam o sol e os aeroportos e o prazer.
No interior, o vento poda os lilases.
Sabes o que isto significa. Estava capaz de cantar.
Há marinheiros de fim-de-semana que dão as cartas e praguejam.
O Canal está encerrado. Isso é bom.

Trancados à sombra da ampla ramada do dinheiro,
Cozinham-se almoços desesperados
A tempo das fúrias da tarde e de súbitos
Divórcios entre dívida e meios de produção.
Isso também é bom. Estas províncias estão encerradas.

Quanto a mim, imagino o Norte com a sua morrinha,
Um fumo fugitivo, chaminés que explodiram: terra
De mau tempo, com longas colinas de hospitais, terra
Do regionalismo dos males de contas, terra
De uma porfia sectária nas jurisdições de Sheffield e Hartlepool.

De regresso à terra, vindo de um mundo de distracção tardo-liberal,
A uma terra de chuva e de caminhos atulhados de folhas,
A toda uma vida a trabalhar e à espera,
O bar da central de camionagem quase a fechar,
Plataformas geladas de términos regionais vazios de promessa,

Terra de docas que morreram e de casas-modelo vandalizadas.
Terra de Noite de Travessuras e de Hallowe’en, das suas historietas,
Quando os bancos de jardim (repouso empapado de velhos sacanas de
                                                                            [sobretudos a feder a cão)
Desaparecem, quando os funcionários da câmara arrastados do pub
vão dragar o lago do parque,

A ver as suas pegadas encherem-se
E a odiar as crapulosas vidas daqueles
Cuja crápula vive lá dentro. Terra,
Enquanto o domingo se estende até ao Inverno, um beijo friorento
Num portal, o programa religioso na televisão, as últimas bebidas antes de o
                                                                                                 [bar fechar. Terra.

Chuva, com a paciência de um anjo, lembra-me.
Este não é o mundo da Miss Selfridge e da Sock Shop,
De lucro descartável e licra, bisbilhotice iletrada, desenrascanço depois
Da última fase de acesso à faculdade, Gestão de Empresas em Farnham.
Este mundo não é Eastbourne. Não tem opiniões.

Neste mundo chove sempre e o Inverno
Está sempre a chegar – renascimento da tuberculose
The Sporting Green a afundar-se no escoadouro.
Aqui está a tralha que é deixada nas falhas
Entre as casas – ambiciosos sofás pretos de pele de sapo

E minibares que perderam peças, os catálogos
Feitos em papas, os objectos que não é possível nomear
E que dantes eram qualquer coisa com maçanetas,
E agora vivem aqui, junto aos tapumes, a peixaria,
O edifício cuja função já não se sabe.

Londesborough Street com o telhado destruído –
Aquele cheiro de quando o papel de parede se vai, enquanto
Chove no patamar, em cães de loiça, em fotografias
E antiquíssimas ideias feitas de recto servilismo.
Nada está seco. A fronha da almofada tirita de frio.

E a água trepa a tijoleira da copa
E o vapor ascende da grelha. Há funerais
A barrar a rua por mais de um quilómetro,
Enquanto os coveiros lutam com bombas de água e o padre
Tenta agarrar-se ao seu sotaque.

Chuva, com a paciência de um anjo, lembra-me
Outra vez a lição de onde eu vim
Com vestíbulos gelados e almofadas de borracha,
A inspecção de lêndeas, a cinza com um cheiro a humidade no pátio
E o andar de cima que é como o serviço de pneumologia do hospital.

Ensina-me que o tempo vai sempre piorar,
Perseguido pela frota do Árctico –
Tema de conversa na loja da esquina
E que vem à ideia quando se sai para o pátio,
Com sirenes de fábricas e barcos de ligação,

Ali, como uma promessa, no instante do anoitecer
Em que a chuva se faz neve e é Inverno.


Sean O’Brien, Cousin Coat – Selected Poems, Picador, 2001

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