Empregos originais: primeiro emprego
/Lagos, anos 80
Sou uma pessoa indecisa e o primeiro emprego surgiu por via desse defeito de caráter.
Estava há horas olhando para o expositor de uma loja, tentando decidir-me por um postal, quando um estrangeiro se aproxima e me pergunta se eu era empregada. Se na loja usavam jovens para olhar os postais e atrair turistas. Corei intensamente e disse que não. A dona da loja ouviu e achou a ideia interessante. Perguntou se eu queria um trabalho de verão e foi assim que começou.
O departamento de turismo logo soube e pensou que a ideia não era de se deitar fora. Rapidamente recrutou um núcleo de vinte jovens cujas funções consistiam em atrair turistas. O sucesso foi de tal ordem que chegámos a ser cinquenta ou cem. Isto, em Lagos, há mais de 30 anos.
Que fazíamos além de olhar e remexer esses postais?
Éramos os primeiros a sentarmo-nos nas esplanadas, mal mesas e cadeiras eram postas cá fora.
Passeávamos pelas ruas com saias até aos pés, flores no cabelo, e ao fim da tarde podíamos andar com os pés descalços em cima da calçada, como prova de que a liberdade tinha passado por ali.
Acampávamos na praia, fazíamos fogueiras e cantávamos canções acompanhadas de guitarras.
Apanhávamos sol ao longo do dia, sem qualquer espécie proteção solar.
Tomávamos banho à noite. Nós, os 50 ou 100, espalhados em pontos estratégicos das praias dávamos à região um ar exótico. Como um povo que não consegue largar o mar.
Os turistas viam-nos, fotografavam-no e enviavam notas à imprensa estrangeira. Alguns deles vinham tomar banho connosco e muitos morreram à conta disso. Nessa altura não tinha havido ainda a profissionalização dos nadadores-salvadores (não dá para pensar em tudo ao mesmo tempo) e nós não éramos pagos para os salvar, apenas para nadarmos poeticamente ao longo da costa.
Além disso, nesse tempo, aos 15 anos, já todos tínhamos lido o Mar Morto, e sabíamos que eles estavam bem, que tinham ido para os braços de Iemenjá.
Fizemos do Algarve aquilo que ele é hoje.
Em nossa defesa, tenho a dizer que nunca nos pagaram em dinheiro. Como éramos tão novos, pagavam-nos em géneros: amêndoas, figos, laranjadas, alfarrobas e entradas grátis em discotecas.
E apesar de termos lido o Mar Morto e carradas de outros livros, incluindo o Sexus, Nexus e Plexus, éramos muito inocentes e não fazíamos ideia do que vinha por aí.