Sinéad Morrissey, Shostakovich

tradução de José Manuel Teixeira da Silva

O vento e seus instrumentos eram, em segredo, os meus mestres.
Na rua Podolskaya eu tocava piano para a minha mãe
- nota a nota, sem partitura- enquanto o sopro
percorria o apartamento devassado: com mão grossa batendo
nos vidros, gemendo no fogão, empurrando
a porta, uma e outra vez, em direcção ao patamar-
um fantasma por entre o mecanismo dos Dois Prelúdios de Beethoven

em todas as tonalidades maiores, e era então que eles mentiam.

Mais tarde, ficava-me pelos campos de trigo e ouvia música
no que o vento tocava. As notas agudas eram cascas:
turbulentas, mas também um nervoso e volúvel sussurro,
enquanto, subterrânea, pulsava a forte, feroz melodia
como se falso crescesse o grão ou a própria floresta.

Em todos os hinos de louvor, no cantochão, deixo o registo
do bater de botas desse homem escondido na montanha.

 

 Sinéad Morrissey  (Irlanda, 1972), Parallax, Carcanet, Manchester, 2013
 

 SHOSTAKOVICH

The wind and its instruments were my secret teachers.
In Podolskaya Street I played piano for my mother
-note for note, without a music sheet- while the wind
in the draughty flat kept up: tapping its fattened hand
against the glass, moaning through the stove, banging
a door repeatedly out on the landing-
the gost in the machine of Beethoven’s Two Preludes

Through All the Major Keys, that said they lied.

Later I stood in wheat field and heard the wind make music
from everything it touched. The top notes were the husks:
fractious but nervous, giddy, little-voiced,
while underneath a strong strange melody pulsed
as though the grain was rigging, or a forest.

In all my praise and plainsong I wrote down
the sound of a man´s boots from behind the mountain.