Crise europeia, com Jürgen Habermas
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São conhecidas as crises cíclicas de ansiedade do velho continente, pensadas, por exemplo, por Voltaire, Max Weber ou Martin Heidegger, e usadas para projectos bélicos, como os das 1.ª e 2.ª guerras mundiais. Parece que oscilamos, desde sempre, entre movimentos centrípetos (junções imperiais ou federativas, alianças ideológicas ou económicas) e movimentos centrífugos (guerras mais ou menos vastas, de alta ou baixa intensidade; dissensos políticos, nacionalismos exacerbados). Agora, com a ansiedade ao rubro (crises económicas, identitárias, demográficas... e uma inultrapassável degradação ambiental, obscurecendo qualquer horizonte de expectativa futuro), voltamos à fragmentação, enclausurando as parcelas nacionais em discursos e sentimentos ensimesmados no egoísmo nacionalista, ou outros devaneios provocados pela incerteza. Por enquanto, o vírus tóxico ainda só contaminou (irredutivelmente?) Hungria, Polónia, República Checa, Reino Unido, Itália, medianamente Áustria e Holanda. Mas a eurofobia promete alastrar, talvez à França (o impulso europeísta macroniano parece inconsequente); talvez à Alemanha, agora que termina a era Merkel; talvez à Espanha, com a expressão eleitoral significativa do Podemos (bastante eurofóbico), um partido emergente de extrema direita (Vox) ou os movimentos independentistas (desaprovados pela União Europeia). E mesmo Portugal tem no BE, PCP e CDS à volta de 20% de eleitores críticos do Projecto Europeu.
II
Esta encruzilhada política, misturando ultimamente as velhas questões da distribuição e produção de riqueza com as de uma biopolítica ligada às migrações massivas, convergindo na desconfiança aguda sobre a possibilidade de um bem-estar futuro suficiente, foi pensada há pouco tempo por Jürgen Habermas, um dos filósofos actuais mais fecundos.
Seguirei aqui o resumo da conferência que proferiu na Universidade Goethe de Frankfurt, a 21 de Setembro deste ano, publicado no El País. Acredito que o artigo deste jornal me permitirá compreender as linhas principais do seu pensamento sobre este problema maior, bem sei que só um discurso longo, imbricado, rizomático, multiperspectívico se aproximará da complexidade que encerra esta questão, mas talvez possamos contribuir para o seu esclarecimento cumulativamente, uma perspectiva aqui, outra ali, mais uma e outra, trabalho colectivo de parceiros desconhecidos. Tanto mais que já ninguém acredita que haja oráculos supremos.
III
Para Habermas o processo de integração europeia está numa deriva perigosa, tanto que o autor não consegue pensar em nenhuma “nova perspectiva sobre a Europa”. O fracasso nas conversações sobre a política comum de defesa e de asilo político “demonstra que os governos dão prioridade aos seus interesses nacionais imediatos”, principalmente nos países com forte presença do populismo de direita. Havendo, inclusive, uma complacência pouco habitual em relação às contradições entre declarações europeístas e políticas concretas na linha dos antigos nacionalismos egoístas, baseados na sagração do Estado-Nação.
Habermas pensa que esta situação não resulta – é aqui, parece-me, que ele confirma a sua pertença à constelação da Escola de Frankfurt – do aumento da imigração, o populismo de direita apareceu sobretudo devido à crise das dívidas soberanas. Foi ela que começou a dividir a Europa, impedindo uma “política proactiva capaz de abordar os problemas comuns com uma mentalidade de cooperação.” Por exemplo, nem o actual auge económico da Alemanha permite atender ao facto de o euro ter sido criado com a expectativa e a promessa política de que “os níveis de vida de todos os estados membros se aproximaria”, orientando a acção política para um patamar superior de solidariedade. Na realidade, sucedeu exactamente o contrário. Por isso, reitera Habermas, “os sentimentos anti-europeus que propagam os movimentos populistas de esquerda e de direita não são um fenómeno derivado do nacionalismo xenófobo.” Nem, como disse, das migrações massivas. Na origem esteve o fracasso da integração europeia, mantendo-se uma diferença, acentuada ultimamente, entre países ricos e pobres (muitas vezes designados, apressadamente, por “países do Norte” e “países do Sul”).
IV
Em relação ao futuro, Habermas não tem inclinações optimistas. Se por um lado, considera improvável que a Eurozona, apesar do Brexit, das dívidas soberanas assustadoras de alguns membros e do confronto entre a União e o governo populista italiano, se desmorone. Tanto mais que mesmo para os países defensores de um Euro do Norte os perigos do colapso financeiro do Sul são incalculáveis. Por outro lado, nada neste momento o faz acreditar numa mudança de perspectiva que considere séria e consequente, prometendo um novo impulso na integração europeia e concretizando a finalidade de um nível médio idêntico de bem-estar nas populações dos diferentes países. E o seu pessimismo vem, em primeiro lugar, da forma como entende, enquanto alemão, o bloqueio dos países ricos a uma distribuição da riqueza mais equitativa, privilegiando-se os países pobres.
Estamos, assim, numa espécie de paz podre, mais à espera do pior do que do melhor. Sem nos esquecermos que é preferível a tranquilidade do fim a sermos medusados por uma utopia vingadora.