[Caem co’a calma os suicidas]

Caem co’a calma os suicidas

dos telhados.

Leves, lúcidos,

ponderadas as razões

do severo

declive,

caem, tímidos,

pedindo desculpa

pelo

corredor de vento

nas janelas.

Pacientes, recapitulam

os argumentos

da morte:

as letras miúdas no seguro de vida,

uma palavra traída,

esta dor sem conserto

num corpo descontinuado.

Morte em câmara lenta,

suspensa em fio de teia:

eles pensam

este fastio de respirar,

o currículo do sangue,

a vida em déjà vu;

ou, como diz o outro:

«jejuo porque nunca encontrei nada

que gostasse de comer»,

assim ou parecido.

Calcularam

o aprumo do prédio, a velocidade

da aceleração. São

inteligentes,

lúcidos,

e calcaram com as melhores teses

o verdete da esperança.

Quase lhes desejava mais fé,

idiotia, mudez,

ignorância.


Dante arranca um galho de árvore que chora de dor na floresta das Hárpias (onde são punidos os suicidas). Ilustração de Gustave Doré.jpg

Gustave Doré - A floresta das Hárpias - Suicidas, Canto XII.