"A Tempestade" de Georg Trakl

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Tradução: J. Carlos Teixeira

A Tempestade

Vós, selvagens montanhas, das águias
Sublime luto.
Nuvens douradas
Fumegam sobre desertos de pedra.
Paciente silêncio respiram os pinheiros,
Os cordeiros negros no abismo,
Onde subitamente o azul
Estranhamente silencia,
O doce zunir do abelhão.
Ó, verde flor -
Ó, silêncio. 

Oníricos agitam sombrios espíritos
Do ribeiro bravio o coração,
Escuridão
Que desaba dos desfiladeiros.
Vozes brancas,
Errantes pelos pátios lúgubres,
Terraços despedaçados,
A violenta ira dos pais, o lamento
Das mães,
Do menino, o dourado grito de guerra,
Dos não-nascidos,
O gemido de olhos cegos. 

Ó dor, tu, flamejante visão
Da grande alma!
Estremece no negro tumulto
Dos cavalos e vagões
Um raio rosa e horrendo
No abeto ressonante.
Frio magnético
Paira em volta desta altiva cabeça,
Brilhante melancolia
De um Deus enraivecido. 

Medo, ó venenosa serpente,
Negra, morre na pedra!
Lá, caem das lágrimas
Correntes bravias,
Tempestade-compaixão,
Ecos em trovões ameaçadores
Os cumes em neve rodeiam.
Fogo
Purifica noite destroçada. 

in Der Brenner, 1914


Das Gewitter

Ihr wilden Gebirge, der Adler
Erhabene Trauer.
Goldnes Gewölk
Raucht über steinerner Öde.
Geduldige Stille odmen die Föhren,
Die schwarzen Lämmer am Abgrund
Wo plötzlich die Bläue
Seltsam verstummt,
Das sanfte Summen der Hummeln.
O grüne Blume -
O Schweigen.

Traumhaft erschüttern des Wildbachs
Dunkle Geister das Herz,
Finsternis,
Die über die Schluchten hereinbricht!
Weiße Stimmen
Irrend durch schaurige Vorhöfe,
Zerrißne Terrassen,
Der Väter gewaltiger Groll, die Klage
Der Mütter,
Des Knaben goldener Kriegsschrei
Und Ungebornes
Seufzend aus blinden Augen.

O Schmerz, du flammendes Anschaun
Der großen Seele!
Schon zuckt im schwarzen Gewühl
Der Rosse und Wagen
Ein rosenschauriger Blitz
In die tönende Fichte.
Magnetische Kühle
Umschwebt dies stolze Haupt,
Glühende Schwermut
Eines zürnenden Gottes.

Angst, du giftige Schlange,
Schwarze, stirb im Gestein!
Da stürzen der Tränen
Wilde Ströme herab,
Sturm-Erbarmen,
Hallen in drohenden Donnern
Die schneeigen Gipfel rings.
Feuer
Läutert zerrissene Nacht.

in Der Brenner, 1914

2 Poemas de Georg Trakl

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Tradução: J. Carlos Teixeira

Delírio

A neve negra que escorre pelos telhados;
Um dedo vermelho mergulha na tua testa,
No quarto despido afundam-se nevadas azuis -
Os espelhos mortos dos amantes.
Em pesados pedaços se desfaz a cabeça e contempla
As sombras espelhadas na nevada azul,
O sorriso frio de uma prostituta morta.
No perfume do cravo chora o vento da noite.

in Gedichte, 1912-1914, aus dem Nachlass [Poemas, 1912-1914, publicados postumamente]

§§§

Num velho álbum de família

Voltas sempre, melancolia,
Ó brandura da alma solitária.
Um dia de ouro acaba de arder.

Humildemente se verga à dor o homem paciente
Entoando melodia e suave loucura.
Vê! já escurece.

A noite volta e um mortal lamenta
E com ele um outro sofre.

Estremecendo sob estrelas outonais
Curva-se ano a ano a cabeça - cada vez mais fundo.

in Gedichte, 1913 [Poemas, 1913]


Delirium

Der schwarze Schnee, der von den Dächern rinnt;
Ein roter Finger taucht in deine Stirne
Ins kahle Zimmer sinken blaue Firne,
Die Liebender erstorbene Spiegel sind.
In schwere Stücke bricht das Haupt und sinnt
Den Schatten nach im Spiegel blauer Firne,
Dem kalten Lächeln einer toten Dirne.
In Nelkendüften weint der Abendwind.

§§§

In ein altes Stammbuch

Immer wieder kehrst du Melancholie,
O Sanftmut der einsamen Seele.
Zu Ende glüht ein goldener Tag.

Demutsvoll beugt sich dem Schmerz der Geduldige
Tönend von Wohllaut und weichem Wahnsinn.
Siehe! es dämmert schon.

Wieder kehrt die Nacht und klagt ein Sterbliches
Und es leidet ein anderes mit.

Schaudernd unter herbstlichen Sternen
Neigt sich jährlich tiefer das Haupt.

Traição à traição de Antonio Gamoneda a Georg Trakl

Canção do Solitário

Oculto na harmonia é o voo das aves. Ao crepúsculo, em cristalinos prados violados pela corça, 
sobem glaucos bosques às cabanas silenciosas. 
 
Débil na escuridão é o rumor das águas. E as sombras húmidas 
 
e as flores do verão são tangidas pelo vento. 
 
Esplende na noite a cabeça do homem pensativo e a chama ténue do decoro arde no seu 
coração. 
 
Serenidade da ceia; porque o pão e o vinho estão sobre a mesa às mãos de Deus 
 e o teu irmão contempla-te do silêncio nocturno dos seus olhos, descansando das aflições do 
caminho. 
 
Oh, era uma morada celeste na medula da noite. 
 
Nos quartos, engolidos pelo silêncio em haustos de ternura, a sombra dos antepassados, os 
martírios fulvos, 
 
o lamento piedoso de uma estirpe que se extingue com o seu último descendente. 
 
Das negras horas da loucura, em umbrais de pedra, desperta mais radioso aquele que sofre, 
e é cercado com força pelo azul do orvalho, pelo resplandecente declinar do outono, 
 
pelo sossego da casa e pelas lendas do bosque. 
 
Eis a medida e o preceito, assim se ocultam os caminhos 
 
daqueles que se afastam na desmesurada paixão da morte. 
 
 
João Moita 
- traição à traição de Antonio Gamoneda a Georg Trakl 

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