Quatro poemas de "Ancestrale", de Goliarda Sapienza



Goliarda Sapienza

Goliarda Sapienza

Tradução: João Coles



Certo dia duvidei
e em plena luz
comecei
a ver a árvore
o pão
a faca e a tesoura
a madeira
o cobre.


As flores crescem
pelos mortos.
Rego-as à noite
com cuidado.
Espio-as na alvorada
da tua lembrança.


Escuta não há palavras para isto
não há palavras para sepultar uma voz
já fria no seu sudário
de cetim e de jasmim.


Separar juntar
espargir no ar
encerrar no punho
conter
nos lábios o sabor
dividir
os segundos dos minutos
discernir ao cair
da noite
esta noite de ontem
de amanhã

In Ancestrale

Dois poemas de Goliarda Sapienza


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Tradução: João Coles



Chuva de ódio do céu

Chuva de ódio cai
do céu sobre os prados e seca
a relva as mãos queima o cabelo e cega
o homem que com atenção contemplava ao alto este
bater de asas.

Graniza ódio sobre os telhados
derruba paredes
ceifa os tendões do cavalo em fuga
que se estatela fumegante na calçada.



Está previsto

Está previsto.
A tua vida
à beira-mar
a minha morte
no fundo do poço.
Está previsto,
a mesa posta
com copos e com facas.
Está previsto
há muito tempo
o teu regresso ao meu
poço de águas pluviais.

in Ancestrale


Pioggia d’odio dal cielo

Pioggia d’odio dal cielo
cade sui prati e secca
l’erba le mani arde i capelli acceca
l’uomo che attento alto fissava quel
volo d’ali.

Grandina odio sui tetti
scardina i muri
sega i tendini in corsa del cavallo
che stramazza fumante sul selciato.


È predisposto.

È predisposto.
La tua vita
in riva al mare
la mia morte
in fondo al pozzo.
È predisposto,
la tavola apparecchiata
con vetri e con coltelli.
È predisposto
da tempo
il tuo tornare al mio
pozzo d’acqua piovana.

in Ancestrale