Jo Shapcott, Da Mutabilidade

Tradução de Hugo Pinto Santos

Demasiadas das melhores células do meu corpo
estão irritadas, encrespadas, sensíveis
a este frio de Primavera. Estamos em dois mil e quatro,
e eu não conheço uma única pessoa que não se sinta pequena
por entre os números. Devastadoramente pequena.

Olha para baixo destes dias e vê
que os teus pés desconfiam do passeio e as tuas análises ao sangue
põem uma expressão carregada no rosto do médico.
Olha para cima e, pelo canto do olho,
encontras eclipses, folhas de ouro, cometas, anjos, candelabros,
junta-te a eles, se quiseres, aprende astrofísica, ou 
música folk, sacrifícios humanos, a mortalidade,
aprende a voar, a pescar, o sexo com pouquíssimo contacto.
Só não te dês ao trabalho de procurar um destino que não seja o céu.

Jo Shapcott, Of Mutability, Faber and Faber, 2010

 

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Jo Shapcott, A Minha Vida Dorme

Tradução de Hugo Pinto Santos

 

Todo o som é excessivo: o restolho dos lençóis,
o clamor de cabelos emaranhados, o tinido dos dentes.
Ínfimos traços de suor fixam residência em cada ruga
Do corpo, mas a respiração é regular, ela está quente,
e o quarto, tão seguro como o pode ser um quarto em Londres.
O metro atroa, a escassa profundidade,
e os aviões, em direcção a Heathrow, circulam no telhado.
A cada dia, o corpo parece-te, no ar que exala,
cada vez mais fedorento; ela está mais simpática, mais elástica.
Dobra-te mais perto e apanha as iguarias do sono,
ouve a pulsação da pele, prova a mandrágora
do suor nocturno. Inclina-te e poisa o dedo
no lugar que tu achas que é o sonho.

 

Jo ShapcottMy Life Asleep, Oxford University Press, 1999

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