Dois poemas de "Silvina" de Leonor Buescu

isso é a tua incumbência
que eu não chego às plantas
tu quem trata lá no alto
a ligeireza
inteireza fresca com que
levas a água à existência
verde forte do caule

cresce porque lhe
dizes o dia a hora
do sol franco embora
tímido
por vezes na sua rega

contigo a folha vence
brota o botão
a flor capaz


machadinha

pomba
pombinha
se tu és minha
aí na rua
também eu sou tua
quieta
esmagada
impressa
plo pneu
e pla chuva

nem distinguem
as penas do alcatrão
camuflada
tudo cinza
aberto
opaco e mudo
leque de espinhas
e sangue morto

pomba
pombinha
há quem te diga
grande praga
mas esses
não te vêem
quando voas

beco

tréguas nenhumas
ao que fazemos deixamos de fazer
pois tudo se entende vão 
como parece no mero
engenho planeado de querer
prontificar a redoma bonita 
intacta para apreciação
em justa
medida justamente
sem razão pra existir
e depois ainda a sentençazinha 
com ares de sapiência 
máxima de quem viveu
antes de nós

hoje 
qualquer
porta se fecha
assim sem janela 
que valha uma aberta que seja
eis o imbróglio destes dias
a espada face à parede
a aflição em apneia lá metida pelo meio
e resquícios estilhaçados da dignidade:
o disfarce a caraça do sorriso
sempre na urgência de esconder
como se um prego forte sobre a maré cheia
pudesse fixar a fundo essa humanidade

Terena

de azul e amarelo
riscam-se caiadas
as casas honestas
sob o sol alentejano

reverbera branco o calor 
abafo de luz onde rebrilha 
a cegueira curva
xisto coberto pela mole temperatura
das horas que desconfiam 
em vago ócio consumado

sobrolho franzido 
fixo
e outros esgares esquivos
não é amistoso 
o rosto agreste de quem ocupa
as paredes raianas 
destes lugarejos
parcos de forasteiros

rebuscada e fina

rebuscada e fina
brilha barroca a filigrana
que pende em ouro
sobre o peito cheio 
do arfar forte
suspirante
depois da ladeira acima

uma gota suada
cansada escorre
pinga abaixo pelo colo
em esforço
da braseira mais pesada
a mão em riste bruta 
e farta arrepanha a pele
amparando assim a pausa
antes do próximo passo 
lento até à fonte


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