«A Vocação do Poeta», Hölderlin
/Dichterberuf. Friedrich Hölderlin.
Tradução in fieri do alemão de Miguel Monteiro.
As margens do Ganges ouviram o o Deus da Alegria
Triunfante quando, vindo do Indo, o jovem
Conquistador Baccho começou com o santo
Vinho a acordar os Povos do seu sono.
E tu, Anjo do Dia!, não acordas aqueles
Que ainda dormem? Dá-lhes a Lei, dá-
-Nos Vida. Vence, Mestre, só tu
Tens o Direito de Conquistar como Baccho.
A Humanidade nada tem que cuidar ou que tratar
Nem em casa nem sob o céu aberto,
Desde que o Homem se nutra e alimente
Com mais nobreza do que a besta. Porque há outra coisa
Que ao cuidado e serviço dos que poetas foi confiada.
É nossa tarefa perante o mais Alto
Que cada vez mais perto e sempre de novo
Os corações amigos O possam ouvir.
E ainda assim, vós Celestes, todos vós,
Vós as fontes, as costas, os montes e bosques,
Foi tão maravilhoso quando Tu
Me agarraste os cabelos, e inesquecivelmente
O génio criador de que eu já tinha desistido
Veio até nós em toda a sua divindade. Os nossos sentidos
Ficaram mudos e foi como se
Um relâmpago nos despedaçasse os ossos,
Vós sois Façanhas na terra inteira à solta —
Dias de Destino — Cortes. Quando o Deus
De pensamento sereno parte para onde a cólera ébria
Dos corcéis gigantescos o levam,
Temos que ficar calados? E quando a Melodia
Calma do ano eterno soa dentro de nós,
Será que deve ser como se uma criança
Tivesse na brincadeira ousado tocar
A pura e santificada lira do Mestre?
Foi para isto, poeta, que ouviste
Os profetas do Oriente, o Canto Grego,
E agora o Trovão? Foi para poderes
Maltratar o Espírito, para te lançares sobre a Presença
Do Bem e troçares dela, para desprezares
O ingénuo e sem misericórdia lhe dares umas moedas
Para ele se comportar como um animal numa jaula?
Até que com o teu espicaçar cruel ele
Se lembre da sua origem e chame o próprio
Mestre, que vem e te deixa desfalecido
Com os seus ferventes dardos de morte.
Há tanto tempo que o Divino só serve para servir,
Que todas as Forças do Céu se esbanjam, que se abusa
Da Bondade por desporto e sem gratidão, uma
Geração calculista que presume,
Quando o Sublime lhe cultiva os campos,
Que conhece a luz do Dia e o Trovejante quando espreita
Pelo telescópio e numera e
Dá nomes às Estrelas do Céu.
Mas o Pai pega na Noite sagrada
E cobre-nos os olhos para podermos ficar.
Ele não ama o Desmesurado. A Força
É extensa mas não empurra o Céu.
Também não é bom ser demasiado sábio. A Gratidão
Conhece-o. Mas guardá-lo sozinho não é fácil,
E por isso um poeta gosta de se juntar a outros
Que ajudem a entender.
Mas, como tem de ser, o Homem permanece destemido
E solitário diante Deus, a sua candura protege-o,
Não precisa de armas nem de
Estratagemas, até que por fim ausência de Deus o ajuda.