"A primavera" e "A primavera" de Friedrich Hölderlin (assinando como Scardanelli durante o seu período de demência)

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Tradução: J. Carlos Teixeira

A primavera

Lá, desce o novo dia nas distantes alturas,
a manhã despertando da alvorada,
ela sorri à humanidade, enfeitada e viva,
e a humanidade com suave alegria é preenchida.  

Quer uma nova vida ao futuro revelar-se
com florescências que anunciam melhores dias,
o grande vale, a Terra cobrindo-se;
Lá longe do tempo primaveril estão os lamentos.

Humildemente,
Scardanelli

3 de março de 1648

In Gedichte 1806-1843


Der Frühling

Es kommt der neue Tag aus fernen Höhn herunter,
Der Morgen der erwacht ist aus den Dämmerungen
Er lacht die Menschheit an, geschmükt und munter,
Von Freuden ist die Menschheit sanft durchdrungen.

Ein neues Leben will der Zukunft sich enthüllen,
Mit Blüthen scheint, dem Zeichen froher Tage,
Das grosse Thal, die Erde sich zu füllen,
Entfernt dagegen ist zur Frühlingszeit die Klage.

Mit Unterthänigkeit
Scardanelli


3. März 1648.

In Gedichte 1806-1843


A primavera

Quando das profundidades entra a primavera na vida,
O homem maravilha-se e novas palavras se erguem
De espiritualidade; a alegria volta uma vez mais
E solenemente hinos e cânticos se cumprem.

A vida faz-se da harmonia das estações,
Natureza e espírito acompanham sempre o sentido,
E a perfeição é una no espírito;
Então muito se descobre, sobretudo na natureza.

Humildemente,
Scardanelli


24 de maio de 1758

In Gedichte 1806-1843


Der Frühling

Wenn aus der Tiefe kommt der Frühling in das Leben,
Es wundert sich der Mensch, und neue Worte streben
Aus Geistigkeit, die Freude kehret wieder
Und festlich machen sich Gesang und Lieder.

Das Leben findet sich aus Harmonie der Zeiten,
Daß immerdar den Sinn Natur und Geist geleiten,
Und die Vollkommenheit ist Eines in dem Geiste,
So findet vieles sich, und aus Natur das meiste.

Mit Unterthänigkeit
Scardanelli


24. Mai 1758

In Gedichte 1806-1843

«A Vocação do Poeta», Hölderlin

 Dichterberuf. Friedrich Hölderlin.

Tradução in fieri do alemão de Miguel Monteiro.

As margens do Ganges ouviram o o Deus da Alegria
     Triunfante quando, vindo do Indo, o jovem
          Conquistador Baccho começou com o santo
               Vinho a acordar os Povos do seu sono.

E tu, Anjo do Dia!, não acordas aqueles
     Que ainda dormem? Dá-lhes a Lei, dá-
          -Nos Vida. Vence, Mestre, só tu
               Tens o Direito de Conquistar como Baccho.

A Humanidade nada tem que cuidar ou que tratar
     Nem em casa nem sob o céu aberto,
          Desde que o Homem se nutra e alimente
               Com mais nobreza do que a besta. Porque há outra coisa

Que ao cuidado e serviço dos que poetas foi confiada.
     É nossa tarefa perante o mais Alto
          Que cada vez mais perto e sempre de novo
               Os corações amigos O possam ouvir.

E ainda assim, vós Celestes, todos vós,
     Vós as fontes, as costas, os montes e bosques,
          Foi tão maravilhoso quando Tu
               Me agarraste os cabelos, e inesquecivelmente

O génio criador de que eu já tinha desistido
      Veio até nós em toda a sua divindade. Os nossos sentidos
          Ficaram mudos e foi como se
               Um relâmpago nos despedaçasse os ossos,

Vós sois Façanhas na terra inteira à solta —
     Dias de Destino — Cortes. Quando o Deus
          De pensamento sereno parte para onde a cólera ébria
               Dos corcéis gigantescos o levam,

Temos que ficar calados? E quando a Melodia
     Calma do ano eterno soa dentro de nós,
          Será que deve ser como se uma criança
               Tivesse na brincadeira ousado tocar

A pura e santificada lira do Mestre?
         Foi para isto, poeta, que ouviste
               Os profetas do Oriente, o Canto Grego,
                    E agora o Trovão? Foi para poderes

Maltratar o Espírito, para te lançares sobre a Presença
     Do Bem e troçares dela, para desprezares
          O ingénuo e sem misericórdia lhe dares umas moedas
               Para ele se comportar como um animal numa jaula?

Até que com o teu espicaçar cruel ele
     Se lembre da sua origem e chame o próprio
          Mestre, que vem e te deixa desfalecido
               Com os seus ferventes dardos de morte.

Há tanto tempo que o Divino só serve para servir,
     Que todas as Forças do Céu se esbanjam, que se abusa
          Da Bondade por desporto e sem gratidão, uma
               Geração calculista que presume,

Quando o Sublime lhe cultiva os campos,
     Que conhece a luz do Dia e o Trovejante quando espreita
          Pelo telescópio e numera e
               Dá nomes às Estrelas do Céu.

Mas o Pai pega na Noite sagrada
     E cobre-nos os olhos para podermos ficar.
         Ele não ama o Desmesurado. A Força
               É extensa mas não empurra o Céu.

Também não é bom ser demasiado sábio. A Gratidão
     Conhece-o. Mas guardá-lo sozinho não é fácil,
          E por isso um poeta gosta de se juntar a outros
               Que ajudem a entender.

Mas, como tem de ser, o Homem permanece destemido
     E solitário diante Deus, a sua candura protege-o,
          Não precisa de armas nem de
               Estratagemas, até que por fim ausência de Deus o ajuda.

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