"Advertência", de Antonio Delfini

Tradução: João Coles


Não venham comigo
porque sou sozinho
E andar com solitários
é como andar à noite
pelas ruas sem luz
Eles não vos dão nada
que vos sirva na vida
São pessoas pobres
que não têm o que dizer
a não ser deus meu meu deus
Ou sem dinheiro ou sem ideias
que vos sirvam
São todos pobres
todos abandonados
com um sorriso triste
sobres os lábios brancos
Sabem gesticular
sabem balbuciar
mas só de maneira estranha
Vocês não nos compreenderiam

Não se entediem por amor da santa
deixem-me inocente
do vosso tédio

Antonio Delfini, Poesie della fine del mondo, Einaudi


Avvertimento

Non venite con me
ché sono solo
E andar coi solitari
è come andar di notte
per le strade senza luce
Essi non vi danno nulla
che vi serva nella vita
Sono gente povera
che non ha da dire
se non dio mio mio dio
O senza soldi o senza idee
che facciano per voi
Sono tutti poveri
tutti abbandonati
con un sorriso triste
sulle labbra bianche
Sanno far dei segni
sanno balbettare
ma solo in modo strano
Voi non ci capireste


Non vi annoiate per carità
lasciatemi innocente
della vostra noia

Antonio Delfini, Poesie della fine del mondo, Einaudi

O Cheiro do Mosto

Que triste o doce cheiro do mosto,

Quando tudo partiu e apenas restam

Os últimos dias vazios, o tédio e a espera

Mais verdadeira e certa, a do fim,

Aos poucos as luzes apagam-se,

Na mesa ninguém mais se espera,

Restam as estrelas com a sua ilusão de calor,

Que brilharão à geada com a mesma força,

Que triste o doce cheiro do mosto,

Lembra a necessidade da morte,

A importância da sesta para encurtar os dias.

 

Torre de Dona Chama

 

29.08.2021

Searas e Sémen  

                                                                                               Para a Cátia,

 

Uma seara dourada atravessada por uma estrada estreita

Em direção a uma aldeia cujo nome esqueci, tu,

Serás sempre jovem naquele verão em que te gravaste

No meu hipocampo com o sal da tua pele bronzeada,

O desejo não cabia no teu pequeno carro,

Estava quente a tarde, o teu peito pedia a amplitude

Das searas e a contenção desregrada das minhas mãos

Que fingiam uma experiência que a fome desmentia,

Serás sempre jovem enquanto os verões

Continuarem a amadurecer o cereal e os teus filhos crescerem,

Enquanto neste sol de julho eu puder fechar os olhos

E entrar uma segunda vez em ti, sentindo ainda quente

Do meu corpo, jorrando de ti, o meu primeiro esperma.

 

Turku

 

14.07.2021

 

A Partir de Um Provérbio Grego

A. E. Stallings em Like
(publicado também em Futures: Poetry of the Greek Crisis e aqui.)
Tradução de Tatiana Faia.

Ουδέν μονιμότερον του προσωρινού

Estamos aqui por enquanto, é o que respondo à pergunta –
É só por um par de anos, dissémos, faz doze anos.
Nada é mais permanente do que o temporário.

Jantamos sentados em cadeiras desdobráveis – baratas mas alegres.
Colámos com fita-cola o vidro da janela partido. A TV ainda não sintoniza.
Estamos aqui por enquanto, é o que respondo à pergunta.

Quando atravessámos a água, trouxémos só o que podíamos carregar,
Mas há sempre caixotes que não tornamos a abrir.
Nada é mais permanente do que o temporário.

Às vezes quando me sinto choramingas, propões uma teoria:
Nostalgia e gás lacrimogénio têm o mesmo travo acre.
Estamos aqui por enquanto, é o que respondo à pergunta –

Escondemos ossos no armário quando não temos tempo de os enterrar,
Enfiamos recibos em envelopes, arquivamos papéis em pilhas.
Nada é mais permanente do que o temporário.

Faz doze anos e ainda estamos a comer do de costume:
Deixámos para trás a loiça do enxoval, com receio que estalasse.
Estamos aqui por enquanto, é o que respondo à pergunta,
Mas nada é mais permanente do que o temporário.

O que de Nós Fica 

 

Que triste o que de nós fica, uma perna de pau, um andarilho, 
Uns calções porque morremos no verão e uma t-shirt velha, 
Porque foi tudo à pressa e nem tempo tivemos de nos despedirmos, 
Quase uma vida enfiada em rodilho num saco de plástico, 
Branco como o tecido de papel que nos cobre, tudo uso único, 
Pendurado num punho do andarilho, onde apoiávamos o cansaço, 
A escultura grotesca do essencial de uma vida, 
Que dois homens, tresandando de desodorizante barato, 
Vem buscar, e no caminho da patologia, falam dos casos 
Novos de Covid, trazidos de São Petersburgo, depois 
Do país deles ter sido eliminado, parece impossível que a vida 
Continue quando deixámos de ser, mas o mundo realmente, 
Nunca precisou de nós, fomos tudo e num momento nada, 
O que tocámos continua e por vezes um desconhecido, 
Que passou a noite inutilmente a agarrar-nos à vida,  
Escreve-nos um poema, como se não fosse também em vão. 

 

Turku 

27.06.2021