Pier Paolo Pasolini, "O verdadeiro fascismo e portanto o verdadeiro antifascismo"

 
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Tradução: João Coles


O que é a cultura de uma nação? É crença corrente, também de parte de pessoas cultas, que esta é a cultura dos investigadores, dos políticos, dos professores, dos literatos, dos cineastas, etc.; ou seja, que é a cultura da intelligentsia. Todavia, não é assim. Nem tão-pouco a cultura da classe dominante, que, precisamente através da luta de classes, procura impô-la pelo menos formalmente. Não é tão-pouco, enfim, a cultura da classe dominada, isto é, a cultura popular dos operários e dos camponeses. A cultura de uma nação é o conjunto de todas estas culturas de classe: é a média delas. E seria por conseguinte abstracta se não fosse reconhecível – ou, a bem dizer, visível – na vida vivida e no existencial, e se não tivesse consequentemente uma dimensão prática. Durante muitos séculos em Itália estas culturas eram distinguíveis apesar de historicamente unificadas. Hoje – quase de repente, com uma espécie de Advento – distinção e unificação históricas cederam o lugar a uma homologação que concretiza quase miraculosamente o sonho entre-classista do velho Poder. A que se deve tal homologação? Evidentemente a um novo Poder.

Escrevo “Poder” com maiúscula – coisa que Maurizio Ferrara acusa de irracionalismo em «l'Unità» (12-6-1974) – apenas porque sinceramente não sei em que consiste este novo Poder e quem o representa. Sei simplesmente que existe. Não o reconheço no Vaticano, nem nos poderosos cristãos, nem nas Forças Armadas. Já nem o reconheço na grande indústria porque esta deixou de ser constituída por um número determinado e limitado de grandes industriais: tenho para mim, pelo menos, que esta surge, pelo contrário, como um todo (industrialização total), e, além do mais, como um todo não italiano (transnacional).

Conheço, também porque as vejo e as vivo, algumas das características deste novo Poder ainda sem face: a recusa pelo antigo sanfedismo (1) e pelo antigo clericalismo, a decisão de abandonar a Igreja, a determinação (coroada como triunfo) de transformar camponeses e sub-proletários em pequenos burgueses, e sobretudo a mania, cósmica, por assim dizer, de executar até ao fim o “Progresso”: produzir e consumir.

O retrato deste novo rosto ainda em branco do novo Poder atribui-lhe traços vagamente “moderados”, devidos à tolerância e a uma ideologia hedonista auto-suficiente; mas também traços ferozes e substancialmente repressivos: a tolerância é falsa, pois nunca nenhum homem foi obrigado a ser tão normal e conformista como o consumidor. Quanto ao hedonismo, este esconde evidentemente uma decisão de pré-ordenar tudo com tal impiedade que a história jamais conheceu até hoje. Portanto, este novo Poder ainda sem representantes, que se deve a uma «mutação» da classe dominante, é na verdade – se quisermos preservar a velha terminologia – uma forma total de fascismo. Mas esse Poder também “homologou” culturalmente a Itália: trata-se, portanto, de uma homologação repressiva, apesar de ter sido alcançada através da imposição do hedonismo e da joie de vivre. A estratégia da tensão é um indício, ainda que substancialmente anacrónico, de tudo isto.

Maurizio Ferrara, no artigo citado (tal como Ferrarotti, em « Paese Sera », 14-6-1974), acusa-me de estetismo. E com isto tende a excluir-me, a circunscrever-me. Muito bem: a minha pode ser a óptica de um « artista », isto é, como pretende a boa burguesia, de um louco. Mas o facto que dois representantes do velho Poder (que agora servem, na verdade, ainda que interlocutoriamente, o Poder novo) se tenham chantageado mutuamente a propósito de financiamentos aos partidos e dos caso Montesi, pode ser também um bom motivo para enlouquecer: ou seja, desacreditar totalmente uma classe dirigente e uma sociedade diante dos olhos de um homem, a ponto de o fazer perder o sentido de oportunidade e dos limites, lançando-o num verdadeiro e autêntico estado de «anomia». Vai dito, aliás, que o ponto de vista dos loucos é de tomar em séria consideração: a menos que se queira progredir em tudo salvo no problema dos doidos e limitar-se comodamente a mantê-los à margem.

Há certos loucos que olham para a cara das pessoas e para o seu comportamento. Mas não porque sejam epígonos do positivismo lombrosiano (2) (como grosseiramente insinua Ferrara), mas porque conhecem a semiologia. Sabem que a cultura produz códigos; que os códigos produzem o comportamento; que o comportamento é uma linguagem; e que em determinado momento histórico em que a linguagem verbal é totalmente convencional e estéril (técnica) a linguagem do comportamento (físico e mímico) assume uma importância decisiva.

Voltando assim ao início do nosso discurso, parece-me que temos boas razões para afirmar que a cultura de uma nação (em concreto a Itália) é hoje exprimida sobretudo através da linguagem do comportamento, a linguagem física, mais uma determinada quantidade – completamente convencional e extremamente pobre – de linguagem verbal.

É a este nível de comunicação linguística que se manifestam: a) a mutação antropológica dos italianos; b) a sua completa homologação a um modelo único.

Portanto: decidir deixar crescer o cabelo até às costas, ou mesmo cortar o cabelo e deixar crescer o bigode (numa evocação pré-novecentista); decidir pôr uma banda na cabeça ou enfiar uma boina até aos olhos; decidir sonhar com um Ferrari ou com um Porsche; seguir com atenção os programas televisivos; conhecer os títulos de alguns best-seller; vestir-se com calças e camisolas prepotentemente na moda; ter relações obsessivas com mulheres postas de lado como meros adornos, mas, ao mesmo tempo, com a pretensão de que são «livres» etc. etc. etc.: tudo isto são actos culturais. Hoje, todos os jovens italianos cumprem estes mesmo actos, têm a mesma linguagem física, são permutáveis; uma coisa velha como o mundo, se estiver limitada a uma classe social, a uma categoria: mas o facto é que estes actos culturais e esta linguagem somática são inter-classistas. Numa praça repleta de jovens, já ninguém poderá distinguir, pelo corpo, um operário de um estudante, um fascista de um antifascista; algo que ainda era possível em 1968.

Os problemas de um intelectual pertencente à intelligentsia são diferentes dos de um partido e de um homem político, ainda que a ideologia seja a mesma. Gostaria que os meus actuais opositores de esquerda compreendessem que estou em condições de dar-me conta que, caso o Progresso sofresse detenção e tivesse uma recessão, se os Partidos de Esquerda não apoiassem o Poder vigente, a Itália simplesmente se desmantelaria; se pelo contrário, o Progresso continuasse tal como começou, seria indubitavelmente realista o chamado «compromisso histórico», o único modo para tentar corrigir esse Progresso no sentido indicado por Berlinguer na sua relação com o CC do partido comunista (cfr. «l’Unità », 4-6-1974). Todavia, como a Maurizio Ferrara não competem as «caras», a mim não compete esta manobra de prática política. Aliás, eu tenho, quando muito, o dever de exercitar sobre ela a minha crítica, quixotescamente e talvez de maneira extrema. Quais são, então, os meus problemas?

Eis um, por exemplo. No artigo que suscitou esta polémica («Corriere della sera», 10-6-1974) lia-se que os reais responsáveis pelos atentados de Milão e de Brescia (3) são o governo e a polícia italiana: porque se o governo e a polícia tivessem querido, estes atentados não teriam tomado lugar. É um lugar comum. Pois bem, por esta altura vão fazer pouco de mim se disser que os responsáveis destes atentados somos também nós progressistas, antifascistas, homens de esquerda. De facto, em todos estes anos não fizemos nada:

1) para que falar de «atentados de Estado» não se tornasse num lugar comum e que ficasse por ali;

2) (e mais grave) não fizemos nada para que os fascistas não existissem. Apenas os condenámos gratificando a nossa consciência com a nossa indignação; e quanto mais forte e petulante era a indignação, mais tranquila estava a nossa consciência.

Na verdade, comportámo-nos com os fascistas (falo sobretudo dos jovens) de maneira racista: quisemos apressada e impiedosamente acreditar que eles estavam predestinados racialmente a serem fascistas e, perante esta decisão do destino deles, não havia nada a fazer. E não o escondamos: todos sabíamos, no fundo da nossa consciência, que quando um daqueles jovens tomava a decisão de tornar-se fascista, era puramente casual, não era um gesto desmotivado ou irracional: talvez tivesse bastado uma só palavra para que isso não tivesse acontecido. Mas nenhum de nós falou com eles ou a eles. Aceitámo-los imediatamente como representantes inevitáveis do mal. E talvez fossem rapazes e raparigas adolescentes nos seus dezoito anos, que não sabiam nada de nada, e atiraram-se de cabeça nesta horrenda aventura por simples desespero.

Mas não conseguíamos distingui-los dos outros (não digo dos outros extremistas: mas de todos os outros). É esta a nossa aterradora justificação.

O padre Zósima (a literatura pela literatura!) soube de imediato distinguir, entre todos aqueles que se amontoavam na sua cela, Dimitri Karamazov, o parricida. Então levantou-se da sua cadeira e foi prostrenar-se diante dele. E fê-lo (como diria mais tarde ao Karamazov mais novo) porque Dimitri estava destinado a cometer o mais terrível acto e a suportar a mais desumana dor.

Pensem (se tiverem forças) naquele rapaz ou naqueles rapazes que foram plantar bombas na praça de Brescia. Não era de nos levantarmos e de irmos prosternar-nos diante deles? Mas eram jovens de cabelos compridos, ou com bigodes à século XX, tinham bandas na cabeça ou boinas enfiadas até aos olhos, eram pálidos e presunçosos; o problema deles era vestirem-se à moda e todos da mesma maneira, ter um Porsche ou um Ferrari, ou mesmo motas para as conduzirem como pequenos arcanjos idiotas com mulheres ornamentais atrás, sim, mas modernas, e a favor do divórcio, da libertação da mulher, e em geral do progresso... Eram, enfim, jovens como todos os outros: nada os distinguia fosse como fosse. Mesmo que o tivéssemos pretendido não teríamos sido capazes de nos prosternarmos diante deles. Porque o velho fascismo, ainda que através da degeneração retórica, distinguia: enquanto que o novo fascismo – que é toda outra história – deixou de distinguir: não é humanamente retórico, é americanamente pragmático. O seu objectivo é a reorganização e a homologação brutalmente totalitária do mundo.



(1) O Sanfedismo, cujo nome deriva de “Exército da Santa Fé”, foi um movimento religioso anti-republicano nascido no final do séc. XVIII na Itália meridional quando as monarquias tradicionais foram depostas e substituídas pelas repúblicas napoleónicas. Os sanfedisti eram grupos e associações religiosas que lutavam pela defesa da Santa Fé e das monarquias tradicionais.

(2) Marco Ezechia Lombroso, também conhecido por Cesare Lombroso, um dos expoentes do positivismo, foi o fundador da antropologia da criminalidade. As suas teorias, influenciadas pela fisiognonomia, pelo darwinismo social e pela frenologia, baseavam-se no conceito de “criminoso à nascença”; teorias que defendiam que a criminalidade era hereditária e que partir da identificação de certas características anatómicas à nascença, se poderia deduzir que determinado indivíduo se tornaria num criminoso.

(3) Pasolini refere-se aos atentados de Piazza Fontana em Milão (12/12/1969) e de Piazza della Loggia em Brescia (28/05/1974), dois actos terroristas neofascistas. O primeiro é considerado o ponto de partida e o momento incandescente dos “anos de chumbo” em Itália, que culminou em vários atentados terroristas até ao início dos anos 80; o segundo, foi um atentado terrorista fascista que teve lugar no decurso de uma manifestação contra o terrorismo neofascista, onde uma bomba explodiu e provocou a morte de 8 pessoas e feriu outras 102.

Publicado originalmente no «Corriere della Sera» a 24 de Junho de 1974 com o título "O poder sem rosto”.

In Il fascismo degli antifascisti, Garzanti


Il vero fascismo e quindi il vero antifascismo

Che cos’è la cultura di una nazione? Correntemente si crede, anche da parte di persone colte, che essa sia la cultura degli scienziati, dei politici, dei professori, dei letterati, dei cineasti ecc.: cioè che essa sia la cultura dell’intelligencija. Invece non è così. E non è neanche la cultura della classe dominante, che, appunto, attraverso la lotta di classe, cerca di imporla almeno formalmente. Non è infine neanche la cultura della classe dominata, cioè la cultura popolare degli operai e dei contadini. La cultura di una nazione è l’insieme di tutte queste culture di classe: è la media di esse. E sarebbe dunque astratta se non fosse riconoscibile – o, per dir meglio, visibile – nel vissuto e nell’esistenziale, e se non avesse di conseguenza una dimensione pratica. Per molti secoli, in Italia, queste culture sono stato distinguibili anche se storicamente unificate. Oggi – quasi di colpo, in una specie di Avvento – distinzione e unificazione storica hanno ceduto il posto a una omologazione che realizza quasi miracolosamente il sogno interclassista del vecchio Potere. A cosa è dovuta tale omologazione? Evidentemente a un nuovo Potere.

Scrivo “Potere” con la P maiuscola – cosa che Maurizio Ferrarà accusa di irrazionalismo, su «l’Unità» (12-6-1974) – solo perché sinceramente non so in cosa consista questo nuovo Potere e chi lo rappresenti. So semplicemente che c’è. Non lo riconosco più né nel Vaticano, né nei Potenti democristiani, né nelle Forze Armate. Non lo riconosco più neanche nella grande industria, perché essa non è più costituita da un certo numero limitato di grandi industriali: a me, almeno, essa appare piuttosto come un tutto (industrializzazione totale), e, per di più, come tutto non italiano (transnazionale).

Conosco, anche perché le vedo e le vivo, alcune caratteristiche di questo nuovo Potere ancora senza volto: per esempio il suo rifiuto del vecchio sanfedismo e del vecchio clericalismo, la sua decisione di abbandonare la Chiesa, la sua determinazione (coronata da successo) di trasformare contadini e sottoproletari in piccoli borghesi, e soprattutto la sua smania, per così dire cosmica, di attuare fino in fondo lo “Sviluppo”: produrre e consumare.

L’identikit di questo volto ancora bianco del nuovo Potere attribuisce vagamente ad esso dei tratti “moderati”, dovuti alla tolleranza e a una ideologia edonistica perfettamente autosufficiente; ma anche dei tratti feroci e sostanzialmente repressivi: la tolleranza è infatti falsa, perché in realtà nessun uomo ha mai dovuto essere tanto normale e conformista come il consumatore; e quanto all’edonismo, esso nasconde evidentemente una decisione a preordinare tutto con una spietatezza che la storia non ha mai conosciuto. Dunque questo nuovo Potere non ancora rappresentato da nessuno e dovuto a una «mutazione» della classe dominante, è in realtà – se proprio vogliamo conservare la vecchia terminologia – una forma “totale” di fascismo. Ma questo Potere ha anche “omologato” culturalmente l’Italia: si tratta dunque di un’omologazione repressiva, pur se ottenuta attraverso l’imposizione dell’edonismo e della joie de vivre. La strategia della tensione è una spia, anche se sostanzialmente anacronistica, di tutto questo.

Maurizio Ferrara, nell’articolo citato (come del resto Ferrarotti, in « Paese Sera », 14-6-1974) mi accusa di estetismo. E tende con questo a escludermi, a recludermi. Va bene: la mia può essere l’ottica di un « artista », cioè, come vuole la buona borghesia, di un matto. Ma il fatto per esempio che due rappresentanti del vecchio Potere (che servono però ora, in realtà, benché interlocutoriamente, il Potere nuovo) si siano ricattati a vicenda a proposito dei finanziamenti ai Partiti e del caso Montesi, può essere anche una buona ragione per fare impazzire: cioè screditare talmente una classe dirigente e una società davanti agli occhi di un uomo, da fargli perdere il senso dell’opportunità e dei limiti, gettandolo in un vero e proprio stato di «anomia». Va detto inoltre che l’ottica dei pazzi è da prendersi in seria considerazione: a meno che non si voglia essere progrediti in tutto fuorché sul problema dei pazzi, limitandosi comodamente a rimuoverli.

Ci sono certi pazzi che guardano le facce della gente e il suo comportamento. Ma non perché epigoni del positivismo lombrosiano (come rozzamente insinua Ferrara), ma perché conoscono la semiologia. Sanno che la cultura produce dei codici; che i codici producono il comportamento; che il comportamento è un linguaggio; e che in un momento storico in cui il linguaggio verbale è tutto convenzionale e sterilizzato (tecnicizzato) il linguaggio del comportamento (fisico e mimico) assume una decisiva importanza.

Per tornare così all’inizio del nostro discorso, mi sembra che ci siano delle buone ragioni per sostenere che la cultura di una nazione (nella fattispecie l’Italia) è oggi espressa soprattutto attraverso il linguaggio del comportamento, o linguaggio fisico, più un certo quantitativo – completamente convenzionalizzato e estremamente povero – di linguaggio verbale.

È a un tale livello di comunicazione linguistica che si manifestano: a) la mutazione antropologica degli italiani; b) la loro completa omologazione a un unico modello.

Dunque: decidere di farsi crescere i capelli fin sulle spalle, oppure tagliarsi i capelli e farsi crescere i baffi (in una citazione protonovecentesca); decidere di mettersi una benda in testa oppure di calcarsi una scopoletta sugli occhi; decidere se sognare una Ferrari o una Porsche; seguire attentamente i programmi televisivi; conoscere i titoli di qualche best-seller; vestirsi con pantaloni e magliette prepotentemente alla moda; avere rapporti ossessivi con ragazze tenute accanto esornativamente, ma, nel tempo stesso, con la pretesa che siano «libere» ecc. ecc. ecc.: tutti questi sono atti culturali.

Ora, tutti gli Italiani giovani compiono questi identici atti, hanno questo stesso linguaggio fisico, sono interscambiabili; cosa vecchia come il mondo, se limitata a una classe sociale, a una categoria: ma il fatto è che questi atti culturali e questo linguaggio somatico sono interclassisti. In una piazza piena di giovani, nessuno potrà più distinguere, dal suo corpo, un operaio da uno studente, un fascista da un antifascista; cosa che era ancora possibile nel 1968.

I problemi di un intellettuale appartenente all’intelligencija sono diversi da quelli di un partito e di un uomo politico, anche se magari l’ideologia è la stessa. Vorrei che i miei attuali contraddittori di sinistra comprendessero che io sono in grado di rendermi conto che, nel caso che lo Sviluppo subisse un arresto e si avesse una recessione, se i Partiti di Sinistra non appoggiassero il Potere vigente, l’Italia semplicemente si sfascerebbe; se invece lo Sviluppo continuasse così com’è cominciato, sarebbe indubbiamente realistico il cosiddetto «compromesso storico», unico modo per cercare di correggere quello Sviluppo, nel senso indicato da Berlinguer nel suo rapporto al CC del partito comunista (cfr. «l’Unità », 4-6-1974). Tuttavia, come a Maurizio Ferrara non competono le «facce», a me non compete questa manovra di pratica politica. Anzi, io ho, se mai, il dovere di esercitare su essa la mia critica, donchisciottescamente e magari anche estremisticamente. Quali sono dunque i miei problemi?

Eccone per esempio uno. Nell’articolo che ha suscitato questa polemica («Corriere della sera», 10-6-1974) dicevo che i responsabili reali delle stragi di Milano e di Brescia sono il governo e la polizia italiana: perché se governo e polizia avessero voluto, tali stragi non ci sarebbero state. È un luogo comune. Ebbene, a questo punto mi farò definitivamente ridere dietro dicendo che responsabili di queste stragi siamo anche noi progressisti, antifascisti, uomini di sinistra. Infatti in tutti questi anni non abbiamo fatto nulla:

1) perché parlare di « Strage di Stato » non divenisse un luogo comune, e tutto si fermasse lì;

2) (e più grave) non abbiamo fatto nulla perché i fascisti non ci fossero. Li abbiamo solo condannati gratificando la nostra coscienza con la nostra indignazione; e più forte e petulante era l’indignazione più tranquilla era la coscienza.

In realtà ci siamo comportati coi fascisti (parlo soprattutto di quelli giovani) razzisticamente: abbiamo cioè frettolosamente e spietatamente voluto credere che essi fossero predestinati razzisticamente a essere fascisti, e di fronte a questa decisione del loro destino non ci fosse niente da fare. E non nascondiamocelo: tutti sapevamo, nella nostra vera coscienza, che quando uno di quei giovani decideva di essere fascista, ciò era puramente casuale, non era che un gesto, immotivato e irrazionale: sarebbe bastata forse una sola parola perché ciò non accadesse. Ma nessuno di noi ha mai parlato con loro o a loro. Li abbiamo subito accettati come rappresentanti inevitabili del Male. E magari erano degli adolescenti e delle adolescenti diciottenni, che non sapevano nulla di nulla, e si sono gettati a capofitto nell’orrenda avventura per semplice disperazione.

Ma non potevamo distinguerli dagli altri (non dico dagli altri estremisti: ma da tutti gli altri). È questa la nostra spaventosa giustificazione.

Padre Zosima (letteratura per letteratura!) ha subito saputo distinguere, tra tutti quelli che si erano ammassati nella sua cella, Dmitrj Karamazov, il parricida. Allora si è alzato dalla sua seggioletta ed è andato a prosternarsi davanti a lui. E l’ha fatto (come avrebbe detto più tardi al Karamazov più giovane) perché Dmitrj era destinato a fare la cosa più orribile e a sopportare il più disumano dolore.

Pensate (se ne avete la forza) a quel ragazzo o a quei ragazzi che sono andati a mettere le bombe nella piazza dì Brescia. Non c’era da alzarsi e da andare a prosternarsi davanti a loro? Ma erano giovani con capelli lunghi, oppure con baffetti tipo primo Novecento, avevano in testa bende oppure scopolette calate sugli occhi, erano pallidi e presuntuosi, il loro problema era vestirsi alla moda tutti allo stesso modo, avere Porsche o Ferrari, oppure motociclette da guidare come piccoli idioti arcangeli con dietro le ragazze ornamentali, si, ma moderne, e a favore del divorzio, della liberazione della donna, e in generale dello sviluppo… Erano insomma giovani come tutti gli altri: niente li distingueva in alcun modo. Anche se avessimo voluto non avremmo potuto andare a prosternarci davanti a loro. Perché il vecchio fascismo, sia pure attraverso la degenerazione retorica, distingueva: mentre il nuovo fascismo – che è tutt’altra cosa – non distingue più: non è umanisticamente retorico, è americanamente pragmatico. Il suo fine è la riorganizzazione e I’omologazione brutalmente totalitaria del mondo.


Publicado originalmente no «Corriere della Sera» a 24 de Junho de 1974 com o título "O poder sem rosto”.

In Il fascismo degli antifascisti, Garzanti

Para uma geopoética europeia

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Lugar de inspiração: Liberation, 2 de Outubro de 2014, e a brisa de fim de ciclo que regressa à Europa.

Reportagem sobre a exposição “Secession”, no instituto francês de Berlin. Objectivo: explorar novas cartografias europeias, menos geográfico-políticas, mais experimentalistas e espirituais.

Sabemos que o grande projecto colonialista e positivista europeu de século XIX desenhou mapas cada vez mais precisos, geometrizados, sobretudo em África (esse “continente ainda por civilizar”). Mas os mapas são muito mais do que reduções proporcionais e objectivas do mundo em imagens, eles resultam sempre de gestos culturais, construídos por saberes humanos datados, são, numa palavra, o produto das interpretações dominantes. Ora, em Berlin propõe-se descontruir esse statu quo, invertendo, ou subvertendo, as narrativas geográfico-políticas.

Das propostas da exposição, gosto da do escritor Camille de Toledo (comissário de “Secession”, juntamente com a historiadora Leyla Dakhli), centrada numa pan-tradução, comunidade poética europeia que viveria “entre-as-línguas”, como se a língua franca fosse a tradução, ou melhor, o espaço que se constitui no vaivém entre os idiomas. Camille quer uma alternativa à utopia literária de Goethe (o desenvolvimento do bom entendimento entre os povos através de uma literatura mundial) e à da MittelEuropa, Europa central do XIX/XX, que parece, mutatis mutandis, ressurgir (assente numa pluralidade das línguas e sistemas filosóficos, mitigada na cosmovisão comum acerca do valor dos conceitos e da sagração tecnológica). O que se procura em Berlin é reinscrever o espaço europeu num lugar de futuro (daí o utopos), “escapar à saturação memorial, ao assombramento do passado europeu” (feito de glória e de trágico). Acelerar um pouco a história (hoje parecemos medusados pelos notáveis feitos do Estado Social e da pujança económica pretéritas), reactivando o projecto crítico europeu (talvez o maior de todos os legados civilizacionais, haverá maior virtude do que investigar as ilusões?), voltar a ver claro nesta crise devastadora, estéril e já profundamente dogmatizada. Revogar a prevalência da face de Janus que olha imóvel para o passado (também o mau, ainda não totalmente redimido), apostar na que mira o futuro.

Mais afastada de qualquer compromisso, ainda no contexto da exposição, a 23 de Setembro, uma assembleia de artistas, filósofos, tradutores... propôs uma ficção colectiva, alimentada num movimento popular, que fizesse emergir o “povo fantasma”, capaz de exonerar as velhas instituições da Europa burocrática. Essa ficção seria o produto, sempre inacabado, dos palimpsestos das ficções nacionais, que depois de confrontadas e articuladas com o horizonte pós-nacionalista seriam exauridas da sua potência mitológica nacional, podendo finalmente alcançar um europeísmo feito do neo-povo fantasma, apátrida e sem deveres de adoração às velhas instituições,  símbolos e narrativas identitárias.

No fundo, pretende-se dar outro sentido ao projecto europeu através da ficção, reinterpretar o nosso continente a partir de “geografias errantes e polifónicas”.