"Vertigem", de Ada Negri


 
 


Tradução: João Coles



— Cala-te, cala-te

(mulher, assim nos seus braços
deliraste uma noite)

— cala-te, cala-te,
não profanes
com palavras envelhecidas pelos séculos
a novidade selvagem
deste momento.
Novos somos
e livres de qualquer proibição
e jovens como virgultas
no Março agreste.
Deixemos atrás daquela parede
os anos vividos, as lutas
vencidas, as ruas calcadas
a sangue, e os rostos fiéis,
e os sonhos e as obras,
e aquilo que parecia a nossa
razão e o nosso porquê
de sermos vivos.

E agora aqui não existem
senão a tua força solar
e a minha fluída graça,
senão o inflamar do teu sangue
e a tua boca que não se sacia;
e o meu rosto desfalecido
não é o que outros já viram,
mas que em ti se fixa, que em ti conflui,
na sua linha trágica,
na sua pulsante lividez,
é o rosto imortal do amor.

**

— Cala-te, cala-te

(mulher, assim nos seus braços
deliraste uma noite)

— nenhuma palavra
consegue proferir o milagre,
nenhuma música
consegue exprimir o êxtase,
só o fragor das tuas artérias,
só o arrepio dos meus pulsos.
Viva ontem não estava,
morta estarei amanhã,
destruída pelas tuas
mãos. Aperta-me, como se, presos um ao outro
à beira de um cume
por nós apenas conhecido,
tivéssemos de nos precipitar no vazio.


In, Il libro di Mara, Fratelli Treves Editori, 1919


Vertigine

— Taci, taci,

(femmina, nelle sue braccia
delirasti una notte così)

— taci, taci,
non profanare
con parole vecchie di secoli
la novità selvaggia
di questo momento.
Nuovi noi siamo
e liberi d’ogni divieto
e giovani come virgulti
neII'aspro marzo.
Lasciammo dietro quel muro
gli anni vissuti, le lotte
vinte, le strade calcate
a sangue, ed i visi fedeli,
e i sogni e le opere,
e quel che ci parve Ia nostra
ragione ed il nostro perchè
d’esser viventi.

Ed ora qui non esistono
che Ia tua forza solare
e Ia mia fluida grazia,
che l’avvampar dei tuo sangue
e Ia tua bocca che non si sazia;
ed il mio volto riverso
non è quello che altri già vide,
ma in te fiso, in te converso,
nella sua tragica linea,
nel suo pulsante pallore,
è l’immortale volto dell’amore.

**

— Taci, taci,

(femmina, nelle sue braccia
delirasti una notte così)

— nessuna parola
può dire il miracolo,
nessuna musica
può esprimere l’estasi,
solo il rombo delle tue arterie,
solo il brivido de’ miei polsi.
Viva non ero ieri,
morta sarò domani.
distrutta dalle mani
tue. Stringimi, come se, avvinti
sull’orlo d’un culmine
a noi sol noto,
precipitar dovessimo nel vuoto.

In, Il libro di Mara, Fratelli Treves Editori, 1919

Tu; Feriado

Tradução: João Coles

TU

Quando a vida se enrodilha sobre si
e não encontra a cauda,
quando em volta te olhas e não há nada,
quando tens fome,
quando não sabes o que fazer,

és verdadeiramente tu.

Quando o passado
é uma paisagem fechada num quarto escuro,
um retrato mal feito,
quando a esperança se seca
como um velho tronco morto,

és verdadeiramente tu.

Quando te deténs para pensar, e pensar
é a última coisa que queres fazer,
quando não há lugar nem maneira,
quando não sabes porquê,
quando te tornas incómodo,

és verdadeiramente tu.

Quando todas as coisas são pilares de nada,
um peso cego sobre as costas,
quando a garganta engole a escuridão,
quando tudo está decidido,
e te custa a perpetrar,

és verdadeiramente tu.

Quando o espírito se preenche
de nuvens negras e dos olhos
te caem todas as chuvas,
quando um amigo parte,
e não sabes se queres permanecer deste lado,

és verdadeiramente tu.

Quando a derrota é o único espelho
das tuas tentativas,
quando sob o último golpe
estás em queda e não sabes explicar
porque é que para te ergueres te preparas,
sim,
és verdadeiramente tu.

FERIADO

Vemo-nos à hora em que
o dia se guarda no espírito
e vencido por uma ternura irresistível
se abandona à noite,
minutos que ardem
no topo da cidade,
e toda a luz da manhã
é vertida nos cálices.
Os corpos trampolins de pensamentos
altos e simples como rios,
virados para o mar atrás de cada olhar amigo.
A sede das bocas
não espera resposta,
é forte em abundância,
é uma flor vermelha plantada
no meio de música selvagem,
dá-se em risadas que esquecem
cada momento e cada sentido.
Só saltos e cores,
só acenos e sabores, inúteis e reais,
só o estrondo que fala em segredo.
Pode calhar,
entre pessoas e instantes,
pode calhar veres-me
enquanto desvio
o olhar em direcção a um vazio.
Mas nenhum dos meus pés
se dirige à solidão.
Se prestares atenção,
as escuridões e as angústias do andar de baixo,
que as vassouras batem nos tectos,
têm o mesmo ritmo desta festa,
do passo de dança
que nasceu de uma qualquer queda.
Pois então não te preocupes,
voltei no ar denso de notas e de risos,
na terra que nos assemelha
são vocês os meus navios
nesta viagem sem partida.
De novo o copo vazio,
outro jogo que o mundo entorna,
e, levemente,
à volta das estrelas dos nossos olhos
a escuridão que confunde
as palavras da noite.


TU

Quando la vita si è attorcigliata su sé
e non trova la coda,
quando intorno ti guardi e non c’è nulla,
quando hai fame,
quando non sai cosa fare,

sei veramente tu.

Quando il passato
è un paesaggio chiuso in una stanza buia,
un ritratto fatto male,
quando la speranza è secca
come un vecchio tronco morto,

sei veramente tu.

Quando ti fermi a pensare, e pensare
è l’ultima cosa che vuoi,
quando non c’è posto e non c’è modo,
quando non sai perché,
quando ti sei scomodo,

sei veramente tu.

Quando ogni cosa è un pilastro per nulla,
sulle spalle un peso cieco,
quando la gola inghiotte il buio,
quando è deciso tutto quanto,
e fai fatica a perpetrare,

sei veramente tu.

Quando si riempie di nuvole nere
lo spirito e dagli occhi
tutte le piogge ti cadono,
quando un amico se ne va,
e non sai se vuoi restare di qua,

sei veramente tu.

Quando la sconfitta è l’unico specchio
dei tuoi tentativi,
quando sotto l’ultimo colpo
stai cadendo, e non sai spiegarlo
ma a rialzarti ti stai preparando,
sì,
sei veramente tu.

FESTIVO

Ci vediamo all’ora in cui
il giorno si guarda nell’animo
e da una tenerezza irresistibile vinto
si abbandona alla sera,
minuti che ardono
sulla parte alta della città,
e tutta la luce del mattino
nei calici è versata.
I corpi trampolini a pensieri
alti e semplici come fiumi,
tesi al mare dietro ogni occhio amico.
La sete delle bocche
non attende risposte,
è forte di abbondanza,
è un fiore rosso piantato
in mezzo a musica selvatica,
si dà in risate che dimenticano
ogni tempo e ogni senso.
Solo salti e colori,
solo cenni e sapori, inutili e veri,
solo il frastuono che parla in segreto.
Potrà capitarti,
tra le persone e tra gli istanti,
potrà capitarti di vedermi
mentre mi lascio scappare
lo sguardo verso un vuoto.
Ma nessuno dei miei piedi
alla solitudine è rivolto.
Se presti attenzione
i bui e le angosce dal piano di sotto,
che le scope sui soffitti battono ,
fanno il ritmo alla festa di qua,
al passo di danza
che da qualche caduta nacque.
E allora non preoccuparti,
rieccomi nell’aria densa di note e di risa,
nel paese che ci rassomiglia,
siete voi le mie navi
per questo viaggio senza partenza.
Un'altra volta il bicchiere vuoto,
un altro gioco che il mondo rovescia,
e, lievemente,
intorno alle stelle dei nostri occhi
il buio che confonde
le parole della sera.

Pier Paolo Pasolini, “Trabalho o dia inteiro como um monge”

Tradução: João Coles

Trabalho o dia inteiro como um monge
e à noite passeio como um gato vadio
à procura de amor... Proporei
à Cúria de ser declarado santo.
Respondo à mistificação
com a brandura. Observo com o olho
de uma imagem os afectos à linchagem.
Olho para mim mesmo massacrado com a serena
coragem de um cientista. Pareço
sentir ódio, e porém escrevo
versos plenos de oportuno amor.
Estudo a perfídia como um fenómeno
fatal, como se dela não fosse objecto.
Sinto piedade pelos jovens fascistas,
e aos velhos, que os considero formas
do mais horrendo mal, oponho
apenas a violência da razão.
Passivo como um pássaro que vê
tudo, voando, e leva dentro do coração
no voo em pleno céu a consciência
que não perdoa.

21 de Junho 1962,

In Poesia in forma di rosa, Garzanti, 1964


Lavoro tutto il giorno come un monaco
e la notte in giro, come un gattaccio
in cerca d’amore... Farò proposta
alla Curia d’esser fatto santo.
Rispondo infatti alla mistificazione
con la mitezza. Guardo con l’occhio
d’un’immagine gli addetti al linciaggio.
Osservo me stesso massacrato col sereno
coraggio d’uno scenziato. Sembro
provare odio, e invece scrivo
dei versi pieni di puntuale amore.
Studio la perfidia come un fenomeno
fatale, quasi non ne fossi oggetto.
Ho pietà per i giovani fascisti,
e ai vecchi, che considero forme
del più orribile male, oppongo
solo la violenza della ragione.
Passivo come un uccello che vede
tutto, volando, e si porta in cuore
nel volo in cielo la coscienza
che non perdona.


21 giugno 1962

Da Poesia in forma di rosa, Garzanti, 1964

Dois poemas de Fernando Colitta: “Auto-retrato. Noite adentro” e “Pergunta para Esenin”

Tradução: João Coles

AUTO-RETRATO. NOITE ADENTRO

Escuta o baque surdo e curto do cotovelo,
que pousa na mesa indiferente e muda.
Somente ao outro se segue a mão maleável,
este sustém à cabeça o novo tronco e o novo pescoço.

Repara na minha elegância de homem de pé a degradar-se,
a degradar-se intacta sobre a mesa.
Entre as folhas umas mais outras menos brancas
escondem-se ao desleixo moedas para as compras.

Os vermes entre as jóias
facilmente vivem.
Se olhar para a cómoda
facilmente desaparecem.

Repara no fundo do mundo a perfilar-se
numa rua do mundo que sossega para lá do vidro,
repara no insinuar deste rosto criado ao acaso
que a sós se olha sem espaço para Narciso.

Enquanto isso entre as jóias
passeiam longos vermes.
Não olhes para a cómoda,
que eles de imediato se solapam.

Mas será que sempre foi ou é agora que é assim?
Na janela o vago busto preferiria a segunda.
Nos olhos descobre imovelmente uma coisa,
um baú, um olhar, uma faca perdida.

De relance repara na estrutura evaporando-se,
agora a cabeça acompanha os olhos no afã.
Bastou a dúvida para virar o retrato,
as costas para a janela, o cu para a mesa.

No enredo dos móveis e bibelôs se perde,
por todo o lado procura e tudo desarruma.
Numa gaveta encontra por fim poucos indícios de provas.
Há vida, mas não dá resposta alguma.

Sobre a cómoda
facilmente vivem.
Se ouvirem um passo
facilmente desaparecem.

Repara entre as jóias
onde habitam os vermes.
Esquece a cómoda,
não os perturbes.

PERGUNTA PARA ESENIN

Ainda aqui,
mesmo que qualquer fumo ou qualquer odor
de quando em quando se lembre.
Ouvir.
O que se perdeu
em troca deste tempo todo?
Tão frio que é
este ar apesar de nos acolher,
tão materno que é
e tão alheio.
Tu, pelo contrário, acabaste
o que talvez julgo não ter
sequer começado.
Diz-me se ainda tenho tempo,
tu que cedo deixaste de ter tempo.
Quão absurdo parece ser
resistir aos dias
se por instantes se
iluminam de alguém como tu,
que num momento tantos dias fizeste brilhar.
Aprendeste, ensinando,
que quem queima queima consigo o seu fim?
E se sim
com que proveito o aprendo?
Eu que queimo bem mais lentamente
e mesmo assim previno qualquer cansaço.
Talvez tenhas sido a imagem arrancada da língua
no mar de grão onde nasceste.
Sem o querer.
Em que te sinto próximo de mim
se a angústia não me mata
apesar de presente?
Não me conheces
e esta minha vida obstinante
não promete um encontro.
Há momentos em que a sinto
perto o suficiente para a chamar,
e sinto o cheiro da cinza,
e tudo tem a luz confusa
das coisas que se amam.
Caro amigo a quem nada posso dar,
amigo imolado e fresco porém como uma flor,
com o meu pensamento, que pouco estimo,
atravesso o século que passa
pelo teu campo gélido
e pelo meu seco e espinhoso,
e consigo ouvir entre as plantas sem nome
que talvez
não seja garantido viver,
como tão-pouco
é garantido morrer.


AUTORITRATTO. TARDA SERA

Senti il tonfo sordo e piccolo del gomito,
si pianta nel noncurante muto tavolo
.Solo l'altro è seguito dalla mano malleabile,
questo regge alla testa il nuovo tronco e il nuovo collo.

Guarda la mia eleganza di uomo in piedi degradarsi,
degradarsi intatta sopra il tavolo.
Tra i fogli lasciati chi più chi meno bianco
trascurate si nascondono monete per la spesa.

Vermi tra i gioielli
facilmente abitano.
Se guardo il comodino
veloci scompaiono.

Guarda sullo sfondo del mondo stagliarsi,
su una strada del mondo che oltre il vetro riposa,
guarda infiltrarsi questo volto creato a caso
che da solo si guarda senza spazio per Narciso.

Mentre tra i gioielli
lunghi vermi scorrono.
Non guardare il comodino,
rapidi rintanano.

Ma sempre sarà stato o è da poco come ora?
Nella finestra il vagobusto preferirebbe la seconda.
Negli occhi scopre immobilmente qualcosa,
un baule, uno sguardo, un coltello, perduto.

Guarda d'improvviso la struttura evaporare,
ora la testa segue gli occhi nell'affanno.
Il dubbio è bastato a voltare il ritratto,
le spalle alla finestra, il culo al tavolo.

Nell'intrico di mobili e soprammobili si aggira,
dappertutto cerca e tutto disordina.
In un cassetto trova infine pochi indizi per prova.
La vita c'è, ma non dà risposta alcuna.

Sopra il comodino
facilmente abitano.
Se sentono un passo
veloci scompaiono.

Guarda tra i gioielli
vermi albergare.
Salta il comodino,
non li disturbare.

DOMANDA PER ESENIN

Ancora qui,
anche se qualche fumo e qualche odore
di tanto in tanto ricorda.
Sentire.
Cosa si è perso in cambio di tutto questo tempo?
Quant’è fredda
quest’ aria anche se accoglie,
quanto è materna
e quanto estranea.
Tu, invece, finisti,
tu che a trent’ anni finisti
quello che io credo di non avere
ancora forse cominciato.
Dimmi se ho ancora un po’ di tempo,
tu che presto smettesti di avere tempo.
Quanto assurdo appare
il resistere nei giorni
se per un attimo questi
sono illuminati da uno come te,
che in un attimo tanti giorni facesti brillare.
Imparasti, insegnando,
che chi brucia brucia con sé la sua fine?
E se sì
a quale pro io lo imparo?
Io che brucio assai più lentamente
eppure avverto tutta la stanchezza.
Forse fosti l’immagine strappata dalla lingua
nel mare di grano in cui eri nato.
Senza volerlo. In cosa ti sento vicino
se l’angoscia non mi uccide
anche se è presente?
Non mi conosci
e questa mia vita che si ostina
un incontro non promette.
Ci sono momenti in cui la sento
vicina abbastanza da chiamarla,
e sento l’odore della cenere,
e tutto ha la luce confusa
delle cose che si amano.
Amico caro a cui non posso dare niente,
amico arso eppure fresco come un fiore,
col mio pensiero, che poco stimo,
attraverso il secolo che passa
tra la tua campagna gelida
e la mia secca e spinosa,
e posso udire tra piante senza nome
che forse non è così scontato il vivere,
così come
non è scontato il morire

Pier Paolo Pasolini, "Sem ti regressava, qual bêbedo"

Fotos por Richard Avedon, 1966

Fotos por Richard Avedon, 1966

Tradução: João Coles

Sem ti regressava, qual bêbedo,
incapaz de estar só à noite
quando as cansadas nuvens se dissipam
na escuridão incerta.
Estive milhares de vezes só
desde que estou vivo, e em milhares de noites iguais
foram-me escurecidos aos olhos a relva, os montes ,
os campos, as nuvens.
A sós de dia, e depois adentro o silêncio
da noite fatal. E ora, bêbedo,
regresso sem ti, e ao meu lado
só há sombra.
E de mim longe estarás milhares de vezes,
e depois para sempre. Não sei travar
esta angústia que galopa dentro do peito;
estar só.

(1945 – 1946)

In Tutte le poesie (Mondadori)


Senza di te tornavo, come ebbro,
non più capace d’esser solo, a sera
quando le stanche nuvole dileguano
nel buio incerto.
Mille volte son stato così solo
dacché son vivo, e mille uguali sere
m’hanno oscurato agli occhi l’erba, i monti
le campagne, le nuvole.
Solo nel giorno, e poi dentro il silenzio
della fatale sera. Ed ora, ebbro,
torno senza di te, e al mio fianco
c’è solo l’ombra.
E mi sarai lontano mille volte,
e poi, per sempre. Io non so frenare
quest’angoscia che monta dentro al seno;
essere solo.

(1945 – 1946)

In Tutte le poesie (Mondadori)