"Advertência", de Antonio Delfini

Tradução: João Coles


Não venham comigo
porque sou sozinho
E andar com solitários
é como andar à noite
pelas ruas sem luz
Eles não vos dão nada
que vos sirva na vida
São pessoas pobres
que não têm o que dizer
a não ser deus meu meu deus
Ou sem dinheiro ou sem ideias
que vos sirvam
São todos pobres
todos abandonados
com um sorriso triste
sobres os lábios brancos
Sabem gesticular
sabem balbuciar
mas só de maneira estranha
Vocês não nos compreenderiam

Não se entediem por amor da santa
deixem-me inocente
do vosso tédio

Antonio Delfini, Poesie della fine del mondo, Einaudi


Avvertimento

Non venite con me
ché sono solo
E andar coi solitari
è come andar di notte
per le strade senza luce
Essi non vi danno nulla
che vi serva nella vita
Sono gente povera
che non ha da dire
se non dio mio mio dio
O senza soldi o senza idee
che facciano per voi
Sono tutti poveri
tutti abbandonati
con un sorriso triste
sulle labbra bianche
Sanno far dei segni
sanno balbettare
ma solo in modo strano
Voi non ci capireste


Non vi annoiate per carità
lasciatemi innocente
della vostra noia

Antonio Delfini, Poesie della fine del mondo, Einaudi

3 poemas de Eeva Kilpi

Pai, ontem choveu

e hoje choveu ainda há pouco.

Contudo está quente.

Deve vir um bom Outono de cogumelos.

 

Pai, em breve dão as notícias da noite

e a sauna está pronta.

 

Pai, regressa ao meu sonho.

Dar-te-ei pão, queijo

a bagas,

irei buscar água à nascente.

 

Pai, deixa-me practicar ainda.

É estranho estar assim insensível.

 

 

 

Bem se realmente

queres que me confesse

que assim seja:

eu tive

trinta e seis amantes.

Sim, tens razão,

é demasiado.

Trinta e cinco teriam chegado.

Mas amor, o trigésimo sexto

és tu.

   

 

Amantes oferecem um ao outro reinos,

novas pátrias, continentes e raras línguas.

Quando se separam, os presentes permanecem-lhe,

são irreversíveis

E o seu amor permanece neles

como literatura, habilidade na língua,

poemas e histórias

que eles juntos compuseram

na língua de cada um.

Assim o amor torna o mundo mais amplo,

assim, mesmo no seu desaparecimento

dá à luz paz e compreensão.

Novos corações se abrem,

há um pouco mais a partilhar

com os amantes seguintes.

 

Eeva Kilpi

A Partir de Um Provérbio Grego

A. E. Stallings em Like
(publicado também em Futures: Poetry of the Greek Crisis e aqui.)
Tradução de Tatiana Faia.

Ουδέν μονιμότερον του προσωρινού

Estamos aqui por enquanto, é o que respondo à pergunta –
É só por um par de anos, dissémos, faz doze anos.
Nada é mais permanente do que o temporário.

Jantamos sentados em cadeiras desdobráveis – baratas mas alegres.
Colámos com fita-cola o vidro da janela partido. A TV ainda não sintoniza.
Estamos aqui por enquanto, é o que respondo à pergunta.

Quando atravessámos a água, trouxémos só o que podíamos carregar,
Mas há sempre caixotes que não tornamos a abrir.
Nada é mais permanente do que o temporário.

Às vezes quando me sinto choramingas, propões uma teoria:
Nostalgia e gás lacrimogénio têm o mesmo travo acre.
Estamos aqui por enquanto, é o que respondo à pergunta –

Escondemos ossos no armário quando não temos tempo de os enterrar,
Enfiamos recibos em envelopes, arquivamos papéis em pilhas.
Nada é mais permanente do que o temporário.

Faz doze anos e ainda estamos a comer do de costume:
Deixámos para trás a loiça do enxoval, com receio que estalasse.
Estamos aqui por enquanto, é o que respondo à pergunta,
Mas nada é mais permanente do que o temporário.

4 poemas de Eeva Kilpi

*

Amor é a mais elástica dimensão humana.

É como a vagina.

Adapta-se ao grande e ao pequeno.

 

A natureza não decepciona.

 

 

*

Outono.

Agora lavo o esperma do verão passado.

Pouco mas mesmo assim.

É pena.

Não coube todo em mim.

E longo é o inverno.

 

 

*

É melhor que nos tenhamos conhecido só agora.

Se nos tivéssemos conhecido antes

Já estaríamos separados.

 

 

*

Diz-me já se te incomodo

disse ele enquanto entrava porta adentro,

que sairei de seguida.

 

Tu não só me incomodas,

respondi,

abalas toda a minha existência.

Bem-vindo.

 

Eeva Kilpi

4 poemas de Bo Carpelan

Círculo

 

Ali, ao lado da pálida árvore,

ele escutou os passos de minha mãe.

O mortal é o nosso amor e ternura,

o dia que passa miraculoso porque nunca regressa.

Eu que escuto os teus passos na erva

e tu que estás perto de mim,

talvez no crepúsculo cinzento

lembrar-se-ão eles quem agora sonha?

 

Entre os Versos

 

Entre os versos e a vida,

o dia abandonado e o papel abandonado,

dias em que vês que o amor não é apenas vento sobre erva:

este é o “dia da vida”

e talvez quebrado

e o dia vive e é parte do seu próprio lado negro

virado em direção a nada.

 

Sob as mesmas nuvens

 

Sombras misturam-se com sombras,

a erva com o seu cabelo,

morto jaz alguém, alguém que morreu

sob as mesmas nuvens.

 

Abre-se o dia

 

Abre-se o dia,

aves pairam sobre a água,

uma nuvem aproxima-se

e eu retomo o meu trabalho

de forma a que com duas palavras

ganhe uma de volta.

 

Bo Carpelan, The Cold Day (1961)