Pier Paolo Pasolini, "Giorgio Bassani"
/Tradução: João Coles
A nova temporada literária italiana começou com um livro que li, desgraçadamente com uma profunda «correspondência de amorosos sentidos»: A garça, de Giorgio Bassani. É a história de um delírio - do qual o protagonista se dá conta subitamente, e não num momento «de compasso forte», mas num momento «de compasso menos acentuado» - em conformidade com a diabólica habilidade do autor, ou seja, no momento estilístico mais vazio, narrativamente mais cinzento. O «desgosto inconsciente» pela própria vida de um pequeno-burguês de Ferrara, vulgar mas nada insensível, a não ser pela ferocidade judaica que, tornando-o vulnerável, o arrancou brutalmente da vulgaridade fatal da sua classe social - passando a «desgosto consciente» repentinamente e sem razão nenhuma: talvez por saturação. Uma entropia que explode. Edgardo, o protagonista, é para mim um homem, se não odioso, repelente. Não conseguiria escrever uma só linha sobre este Edgardo. Sobre ele Bassani escreveu um livro inteiro; viveu com ele, portanto, durante anos. Como conseguiu?
Para Bassani, homens como Edgardo são heróis: «heróis burgueses» mal-grado a evidente contradição de termos, «a contradição que não consente». E porque é que são heróis? Porque não pôde ser como eles: um burguês semelhante. E o não pôde ser por factores externos: porque é judeu e durante a sua juventude - excluindo a perseguição racial e a «diversidade» judaica objectivamente operacionais em qualquer momento histórico - durante a sua juventude viveu o fascismo. Bassani foi, portanto, bloqueado na sua crítica à burguesia porque algo ou alguém o impediu injustamente de tornar-se burguês - caso ele tivesse querido. Ele foi privado da sua liberdade de tornar-se burguês. Isto fê-lo ver a burguesia sob uma luz diferente: a luz da nostalgia. Tratando-se para ele de uma «condição perdida» por motivos de força maior e não por escolha própria, começou a ter saudades dela (contrariamente à sua natureza de poeta que não consegue ser burguesa nem consegue ver um burguês como um herói; consegue, quando muito, vê-lo como «criatura» que dá pena ou faz sorrir, como nos filmes de Renoir ou de Tati).
Não sentindo repugnância mas nostalgia pela vida deles, Bassani pode não só descrever o mundo dos burgueses, mas pode, inclusive, descrevê-lo «revivendo» os seus discursos, isto é, citando constantemente as frases feitas e os lugares-comuns destes. Todos provenientes de uma ideologia atroz: conservadorismo, conformismo, consumismo paleocapistalista. Na prática, delineando a própria prosa da linguagem destes, Bassani consegue criar uma analogia entre o pequeno mundo burguês e o seu estilo, que se tornam em duas realidades paralelas. Edgardo decide morrer por causa da própria vida; Bassani, que reviveu a vida de Edgardo através do próprio estilo, parece desejar morrer com ele. Por isso é que a leitura deste livro é tão assustadora.
“Tempo” nº 47, a. XXX, 16 de Novembro 1968
in Il caos, Garzanti