Patrizia Cavalli – My Poems Won’t Change the World (Gini Alhadeff, ed.), Penguin Books, 2018
Uma anedota famosa sobre Patrizia Cavalli, umas das mais importantes poetas italianas da actualidade, reza que durante algum tempo ela ganhou a vida como pintora e jogadora de póquer, e não necessariamente por esta ordem. Uma ironia mordaz e um sentido de humor tingido de uma ternura amarga lembram-nos que alguns poemas de repente nos podem tornar demasiado vivos à luz de algumas palavras, à força da representação de umas quantas situações. Há em Patrizia Cavalli a encenação de intimidades decadentes que brincam com as nossas fragilidades, com as nossas falhas morais e emocionais, e há qualquer outra coisa que é como uma inteligência cuidadosa que por gentileza se eleva acima disso e nos recorda que não somos tão óbvios como tudo isso. A poesia de Patrizia Cavalli é sobre a profundidade do humano.
Daisy Hay -Young Romantics: The Shelleys, Byron and Other Tangled Lives, Bloomsbury, 2011
Anna M. Klobucka – O Mundo Gay de António Botto, Assírio e Alvim, 2018
O livro de Daisy Hay tenta contrariar o mito dos poetas românticos como génios solitários, concentrando-se nos laços de amizade que uniram os jovens poetas românticos ingleses. O de Anna M. Klobucka revisita a vida e a obra de uma espécie de poeta tabu do primeiro modernismo português, António Botto, tentando reavaliar a sua relevância. De um modo ou outro, estes dois ensaios centrados sobre a figura de alguns poetas e sobre os laços que eles cultivaram tentam contribuir para que se escreva uma história mais exacta dos movimentos literários a que se referem. Pelo caminho, desarrumam o cânone, pelo menos um bocadinho, e isso não é pouco.
James Merrill – A different person, Knopf, 1993
Rico herdeiro de uma poderosa família milionária americana viaja até à Europa (pela maior parte mediterrânica) em busca dele próprio. Esta seria (e é de facto) a melhor descrição sensacionalista desta autobiografia de James Merrill, um dos maiores poetas norte-americanos do século XX. É difícil de explicar o quão impossível é de não se gostar deste livro. É sobre uma longa viagem conduzida às cegas, sem grandes planos ou objectivos além deste a que alude o título, de se tornar uma pessoa diferente, que termina talvez não com a descoberta mas com a aceitação de si próprio, com uma espécie de epifania sobre a alegria de estar vivo, que chega por prolongada exposição, em modo de tentativa, erro e ansiedade mais ou menos constantes, aos outros.
Alberto de Lacerda – Labareda, Tinta da China, 2018
Alberto de Lacerda é um poeta que, como notava Pedro Mexia, não está particularmente identificado com nenhum cânone nacional. Nem especialmente identificado com a literatura de Portugal, nem com a de Moçambique, nem com a literatura de outros países onde viveu, a inglesa ou a norte-americana, talvez a pátria de Alberto de Lacerda sejam alguns outros poetas ao lado dos quais ele pertence. Poesia da paisagem e de quem nela vive, do encontro e do espanto, Labareda é uma antologia (relativamente) breve que colige alguns inéditos. Alberto de Lacerda escrevia poemas que são como artes de viver. E continua a ser um dos poetas mais raros do nosso cânone pessoal.
George Seferis – Six Night on the Acropolis, 2007
É o livro que estou a ler agora. Comecei a lê-lo em Julho, não longe da Acrópole, e perdi-o no caminho de volta a Inglaterra e tentei lê-lo numa biblioteca de línguas modernas, mas algures em Setembro o exemplar que lá estava desapareceu. Encomendei-o e levou seis semanas a chegar dos Estados Unidos, onde uma associação de gregos americanos, por qualquer questão de devoção que me ultrapassa, o mantinha em stock, e foi mesmo um dos poucos sítios em que consegui encontrar este romance do prémio Nobel grego à venda. Seferis é de longe mais conhecido como poeta, e tal como Kavafis, poeta de uma obra relativamente circunscrita. Num dos primeiros poemas que estão coligidos nos poemas completos, um homem pesa no colo o infindável peso de uma cabeça de mármore, a pesada herança de um país cujo presente não irá jamais traduzir as noções de glória que se atribuem ao passado. A vida de Seferis foi particularmente exemplar do nosso tempo. Refugiado da Ásia Menor, Seferis foi no seu próprio país, aquando da sua mudança para Atenas vindo de Esmirna, um estrangeiro. Este romance, Seis Noites na Acrópole, é sobre alguém jovem que, precariamente instalado em Atenas, se tenta encontrar a si próprio, entre um grupo de amigos literatos e diletantes, uma exploração do que poderá querer dizer isso, estar em casa ou estar em casa em qualquer parte do mundo. Um romance para hoje.
Vítor Teves